O que os casos de Andressa Urach e de Gabriel Medina mostram sobre as subversões do amor
Por um lado, o sufista campeão, filho sufocado pelo amor opressivo da mãe, era impedido de escolher pessoas para se relacionar; por outro, a modelo parece escolher, ao léu, pessoas e princípios, levada pelo instinto de um ideal que pode ser fatal
O amor toma a forma de quem ama. Se a pessoa for ciumenta, possessiva, agressiva, o amor será desta forma, sempre com a melhor das intenções, amando perfidamente, sufocando, massacrando a pessoa amada com seu amor, o que seria a própria negação do amor. Amor é uma abstração perigosa que varia de acordo com seu portador. O conceito também se aplica na própria expectativa irreal do amor. Imatura, uma pessoa pode apostar em alguém que lhe oferece um estereótipo de amor que muitas vezes pode se converter em possessão, ciúme, abuso e até violência. Dois exemplos recentes de um amor adulterado e de expectativa irreal amorosa: o primeiro de Simone Medina, mãe do atleta Gabriel Medina, que converteu o amor a seu filho em instinto de posse. Simone controlava a vida financeira, as amizades e até mesmo a vida afetiva de seu filho atleta premiado. A atenção e o controle extremado da mãe o levaram a se afastar de pessoas, namoradas e do seu próprio pai. Gabriel só agora pareceu acordar para o domínio perverso de sua mãe, que, sob o pretexto do amor, massacrava sua liberdade. Medina só agora percebe que a mãe o enroscava num cordão umbilical que enforcava seu crescimento como pessoa; cordão umbilical que o ajudou talvez a forjar e se concentrar na sua carreira, mas abdicar do mais importante trabalho de uma pessoa, que é a livre escolha dos afetos que moldam uma trajetória de vida. A mãe matava a liberdade do próprio filho em nome de um amor patológico que geria ele como um permanente feto dentro de um útero que o prendia, impedindo-o de ver a realidade fora disso.
O segundo caso — da expectativa imatura do amor — parece ser o de Andressa Urach. Sua história é bastante conhecida: ex-modelo e ex-garota de programa, Andressa se converteu ao cristianismo e revelou uma vida de devassidão extrema e valores corrompidos abandonados em nome de um princípio de purificação de caráter. Coroou esta purificação com um casamento com um homem a quem se declarou devidamente submissa, um ex-cliente seu. Pouco tempo atrás, condenou a igreja como templo de hipocrisia e acabou seu casamento nesta semana com uma série de acusações ao marido, que vão de traições a ameaças. Andressa, grávida, estaria inclusive disposta a voltar à prostituição para se sustentar. Radical em tudo, ela parece ser vítima de sua idealização do amor e da vida. Ora, o cristianismo predica a construção cotidiana do amor para além da paixão ideal que cega nossos olhos em nome do desejo. Um casamento seria a paulatina transformação da paixão em um afeto companheiro, de construção de uma família, inclusive do sacrifício do desejo em nome da criação de filhos e de uma união para além do prazer. Mas é preciso não transformar o ideal cristão em obsessão por um milagre. É preciso ponderar direito suas escolhas amorosas. Adequar um desejo à maturidade da escolha é o desafio. Escolher mal alguém para amar e querer que seu amor converta a pessoa amada e a própria relação em um conto de fadas é temerário. O ideal sem realismo muitas vezes pode se transformar em tragédia. Não existem pessoas que se encaixam perfeitamente no ideal. Muitas vezes alguém pode se apaixonar pelo ideal que se constrói de alguém e querer ajustar, moldar este ideal à pessoa amada. Andressa parece ter feito isto porque ela ajustou seu ideal de vida ao amor que ela tinha também por uma igreja que parece tê-la decepcionado. Ideais jamais se ajustam totalmente às pessoas, sobretudo à paixões — seja paixões por religiões, igrejas ou pessoas. Andressa parece ter se apaixonado pelo seu ideal de casamento, de religião, de amor, de pessoa a ser amada a todo custo, sem atentar para as possibilidades de engano, que sempre aparecem em todo elemento humano. Se apaixonar por seu amor a seu ideal, sem olhar minuciosamente para a precária realidade humana, é se quedar fatalmente à decepção.
O radicalismo de querer amar a todo custo um princípio de vida, de querer adequar a todo custo pessoas a um princípio de vida, de querer amar um princípio de amor, unem a mãe que sufoca um filho por um amor que se transformou em prisão à prisão de Andressa, que se prende a um ideal de vida impossível de se alcançar. Uma, a mãe, quase ceifou a vida afetiva de seu filho por seu controle obsessivo que se revela um falso amor, porque amor de fato liberta quem se ama. Liberta para que a pessoa tenha a livre escolha de amar e se prender voluntariamente às várias pessoas que escolher amar. A outra, Andressa, diz agora ter vontade de ceifar a própria vida — por querer tanto se prender a um ideal, se deixando arrastar por pessoas que não se prendem a uma ideia, a um conceito, a uma religião, a uma regra, a um princípio imutável de vida. Se Gabriel Medina, o filho sufocado pelo amor opressivo da mãe, era impedido de escolher as pessoas por uma mãe opressora, Andressa parece escolher, ao léu, pessoas e princípios, levada por um instinto de um ideal que pode ser fatal. O amor toma a forma de quem ama. A expectativa de amor toma a forma de quem espera pela consumação deste amor. Amar sem maturidade, sem uma ampla investigação de seus desejos, sem uma ampla análise do objeto de seus desejos e ideais é correr o risco de transformar amor e esperança de amar em prisão a uma realidade paralela que pode sacrificar a si mesmo e a quem se ama. Cuidado. Andressa agora também será mãe. Em todo este turbilhão que passa, que possa aprender que o amor maior está na formação de outro ser humano, na educação de outro ser humano que também educa a quem educa. Oxalá a maternidade lhe dê um ideal vivo de amor e educação permanente para um sentido verdadeiro de amor: o sentido de um cuidado permanente que tenha no ideal não um fim em si mesmo, mas uma utopia que olha pra realidade e nos leva a um caminho infinito de melhorias desta realidade pelo ideal que nos move — mas não nos aprisiona.
Amor é procura constante
que não se esgota
em seu encontro.
Amor é construção permanente
de um caminho
que jamais se conclui
na chegada.
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