A barbárie da morte do homem negro no supermercado não pode ser esquecida
Essa violência não deve se transformar apenas em mais um número; há a necessidade de mudar essa cultura que combate os muitos tipos de intolerância
Os tempos são bárbaros. Cada vez mais bárbaros. Os acontecimentos de todos os dias no Brasil, em todo lugar levar a esse sentimento da barbárie. É uma coisa de ódio mesmo. Vi as cenas de horror na televisão: dois seguranças de um supermercado em Porto Alegre agridem um cidadão até a morte. E ninguém interferiu. As pessoas já se acostumaram a essas cenas do cotidiano brasileiro, que parecem fazer parte de uma guerra civil. João Alberto Silveira Freitas, negro, 40 anos, estava em companhia de sua mulher no supermercado. Pelas cenas disponíveis, não fez nenhum gesto que o desabonasse, mas foi atacado por dois seguranças. Nem foi interpelado. Os seguranças, geralmente gente sem nenhum preparo, aproximaram-se já desferindo socos e pontapés, um ato de absoluta covardia, daqueles que, com uma farda qualquer, se julgam donos do mundo. A delegada Nadine Farias Alfor, chefe da Polícia do Rio Grande do Sul, afirma que, de acordo com a certidão de óbito, o homem foi assassinado por asfixia. Mas a policial informa que aguarda um laudo mais detalhado sobre o crime.
O espancamento durou 10 minutos, sem que ninguém socorresse Alberto Silveira. Todos ficaram observando um homem ser assassinado a pancadas, sem nenhum motivo, e ninguém reagiu a essa cena cada vez mais comum entre nós. Que mundo é este? Melhor dizendo: que país é este? Os dois seguranças delinquentes foram presos em flagrante e a delegada garante que eles responderão por homicídio triplamente qualificado. A asfixia é uma das qualificadoras. As duas outras são motivo fútil e uso de recursos que impossibilitaram complemente a defesa da vítima. A delegada Nadine Farias não descarta que o crime tenha sido cometido por racismo. Ela diz: “Racismo existe, discriminação existe, preconceito existe. Existe o racismo cultural e o racismo exercido durante a ação”. A policial observa que mais essa morte, resultado da perversidade e brutalidade sem medidas, não poderá ser em vão. Não pode ser esquecida e se transformar num número. Há necessidade de se mudar essa cultura que combate os muitos tipos de intolerância.
O pai da vítima, João Batista Rodrigues Freitas, afirma que viu o filho agonizando no supermercado Carrefour de Porto Alegre até a morte. O pais recebeu um telefonema da mulher de João Alberto e correu para o supermercado. Seu filho agonizava. Levado para uma ambulância, já estava morto. A filósofa Djanira Ribeiro, que se dedica à causa dos negros contra o racismo, disse que o crime representa uma violência contra toda a população negra do Brasil. Assinalou: “A violência que ceifou a vida de João Alberto foi um ato de violência de todos os negros brasileiros, que seguem com a existência ameaçada, sobretudo agora em um momento de um projeto político que reforça esse lugar de repressão e precarização de vidas. Não é a primeira vez que fatos como esse acontece nos estabelecimentos dessa empresa e é necessário que haja respostas”.
Antes de morrer, João Alberto pediu ajuda à sua mulher, que na hora do assassinato estava pagando suas compras no caixa. Essa barbaridade aconteceu exatamente no Dia da Consciência Negra. O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, diz que o assassinato no supermercado Carrefour não foi racismo, “porque – conforme afirma – não existe racismo no Brasil”. Mourão assinala que “o racismo é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil”. Milhares de pessoas se manifestaram e ainda se manifestam nas redes sociais. Esse é mais um retrato da barbárie brasileira que existe sim, num clima de intolerância em que vale sempre a lei do mais forte. Um crime covarde que já chegou aos jornais do exterior, tal a brutalidade de gente completamente despreparada para lidar com pessoas. Então fica assim: um homem vai ao supermercado com sua esposa, é atacado por dois seguranças, foi espancado barbaramente e morre. Infelizmente, o ceticismo é grande e doloroso num país desigual em tudo. O importante é que mais esse crime não seja esquecido como é quase um costume neste país.
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