A perseguição obsessiva, conhecida como ‘stalking’, exige um enfrentamento drástico
Tudo bonitinho nas discussões na Câmara dos Deputados, mas as coisas vão continuar como estão; os machões vão continuar matando as mulheres
Você que está apaixonado por alguém, vá devagar. Vale para o homem e para a mulher. Pode se apaixonar, claro, o amor é lindo, mas cuidado. Ficar dando em cima o tempo todo agora é crime. Pode até mandar flores, mas não dez vezes por dia. O amor é livre, mas é preciso saber lidar com a emoção. Bem que esta coluna poderia começar assim como um fato envolvido numa realidade até prosaica. Mas não. Há um problema dos mais graves aí que se repete todos os dias em todo lugar. Afinal, existem muitos machões no mundo e isso não tem cabimento. Nesta quinta-feira, 10, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que torna crime essa perseguição amorosa. Pode amar alguém, mas sem obsessão. Perseguir alguém é um crime conhecido por “stalking”, termo em inglês. A lei já tinha sido aprovada pelo Senado, mas houve algumas alterações na Câmara e o Senado analisará o texto outra vez. O problema desse “amor” é que se torna uma perseguição, cercando a vida do outro e causando todo tipo de problema que foge à afetividade. Isso acaba se transformando numa invasão à liberdade do outro, seguindo seus passos em todo lugar. Quer dizer: tira completamente a paz do outro, fazendo de sua vida um inferno. Esse crime de não deixar alguém em paz terá uma pena de um a quatro anos de prisão. Mas – repetindo – fugindo dessa linguagem lírica, a questão é séria. Muito séria. Se for contra uma criança, adolescente ou idoso, o crime de “stalking” terá a pena aumentada. E será muito maior se for contra uma mulher, envolvendo violência doméstica ou descaso ao sexo feminino.
Atualmente, perturbar alguém incessantemente é considerado contravenção penal, com pena de 15 dias a dois meses de prisão ou simplesmente uma multa. Mas agora isso vai mudar. O crime de perseguição obsessiva vale também para as redes sociais. A relatora, deputada Shéridan Oliveira (PSDB), tem razão ao afirmar em seu relatório: “Esses delitos causam inúmeros transtornos à vítima, que passa a ter sua vida controlada por um delinquente, vivendo com medo de todas as pessoas em todos os lugares que frequenta, um verdadeiro termômetro psicológico”. Em seu relatório, a parlamentar descreve dados do Stalking Resource Center, informando sobre as vítimas de feminicídio: 76% foram perseguidas por seus parceiros, sendo que 54% das vítimas relataram à polícia estarem sendo “stalkeadas” antes de serem assassinadas por seus perseguidores, quase sempre o ex-companheiro. O chamado “stalking”, como se vê, merece mesmo um enfrentamento drástico.
Ao iniciar esta coluna dei um tratamento até sentimental e romântico ao texto, mas não é isso. E o que está se resolvendo agora sobre o assunto serve para o Brasil? Claro que não! Nem pensar! Aqui, milhares de mulheres sofrem espancamento dentro de casa, agredidas por seus companheiros, e elas têm de ficar caladas. Mas se um dia decidirem fazer um Boletim de Ocorrência sobre o espancamento, essas mulheres, em sua maioria, estarão assinando sua sentença de morte. Não adianta absolutamente nada um boletim de ocorrência proibindo que o ex-marido se aproxime da ex-mulher numa distância de 200 metros, por exemplo. Não adianta coisa nenhuma. O ex-marido não só se aproxima, mas invade a casa e assassina a ex-companheira porque ele não aceitou a separação e porque ele pensa ser proprietário da mulher. Isso está todos os dias nos jornais. Basta dizer que no ano passado, 3.739 mulheres foram assassinadas pelo marido ou ex-marido em todo o Brasil. Desse total, 7,3% foram crimes de feminicídios, que é um crime de ódio. A mulher é assassinada unicamente por ser mulher. Chegamos a isto: a cada 7 horas em média, uma mulher é assassinada no Brasil, a grande maioria porque o ex-companheiro não aceitou a separação ou porque a mulher fez na delegacia um boletim de ocorrência pelos espancamentos que sofre em casa.
Seja como for, o “stalking” passa a ser crime no Brasil. Ninguém tem o direito de tirar o sossego de ninguém. Pode fazer juras de amor, pode fazer o que quiser. Ex-namorado que perdeu a namorada e com ciúme fica seguindo a moça em todo lugar vai dar cadeia. Chega de amor obsessivo que existe entre namorados e também entre os casais que se separam. Pensando ser dono da esposa, o marido acha que tem o direito de tirar sua vida. É o que acontece e o que sempre aconteceu. E em menor número, as mortes ocorrem também entre namorados. Tudo bonitinho no papel. Tudo bonitinho nas discussões da Câmara dos Deputados. Tudo bonitinho na análise do Senado. E daí? Daí nada! Vai continuar tudo como está. Os machões vão continuar matando e as mulheres, infelizmente, indefesas e sem a prometida proteção da polícia, continuarão a viver no espanto e medo de todos os dias.
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