Artigo de Rêgo Barros sobre o governo revela que nem tudo é um mar de rosas
Texto do ex-porta-voz do governo Bolsonaro passou batido na imprensa, algo que não chego a compreender; a ideia que se tem é que um quer devorar o outro no Palácio do Planalto
Não sei por que o artigo que escreveu o general Otávio Rêgo Barros, ex-porta-voz do governo Bolsonaro passou meio batido na imprensa. Para mim, trata-se de uma peça significativa que acentua episódios incompatíveis com um governo que se quer sério. A verdade é que o general ex-porta-voz de repente desapareceu. Deixou de ser porta-voz sem que ninguém soubesse, embora o presidente sempre sinalize suas frituras. Mas acredito que num governo que vive ultimamente de balões de ensaio, essa atitude seja normal. A pessoa simplesmente desaparece e ponto final. E o general ex-porta-voz decidiu ficar em silêncio por longo tempo, considerando-se que hoje vivemos num país do imediatismo. Trata-se de um artigo, revelando algumas faces do governo que a sociedade não conhece. Isso é próprio de governos autoritários.
O general ex-porta-voz deixou o posto bastante contrariado. Muitos dos militares que desfrutavam do convívio de Bolsonaro já estão fora do Palácio do Planalto. Caso do general Santa Cruz, por exemplo, que deixou a caserna para seguir com o presidente e que foi fritado porque não conseguiu estabelecer uma relação de Bolsonaro com a imprensa. Foi fritado até a exoneração. No artigo que escreveu para o “Correio Braziliense”, de Brasília, Rêgo Barros usou de analogia da Roma Antiga para comparar Bolsonaro com Júlio César, o general das batalhas campais que chegou triunfante às portas da cidade e tirou o poder do Senado. Rêgo Barros acentua que “o escravo se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e de muitos aduladores, poderá toldar-lhe o senso da realidade. Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem aqueles costumes romanos”.
Nenhuma vez o general Rêgo Barros citou o nome do presidente Jair Bolsonaro, mas nem precisa ser bom entendedor para saber do que se trata. O general escreveu que os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, “são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”. O general reformado observa “que a população que elege deve lembrar ao ungido todo-poderoso de que ele é mortal e que “mito” anda dando ouvidos só a quem concorda com ele ou o segue alucinadamente”. A palavra do general não é, como deixou claro, de um ex-subordinado que sai a falar por descontentamento. Não. Estava falando como general que participou do governo e não participa mais. Aliás, dá a ideia de que quer distância. O general, que vem do núcleo do comando militar, lembra que em 2018 viu em Bolsonaro a possibilidade de as Forças Armadas voltarem a ter peso e voz no mundo civil da política. O general observa que, de início, preocupou-se ao ver tantos militares em cargos do governo, o que poderia parecer que as Forças Armadas voltariam a comandar o governo do país. O general ex-porta-voz assegura que não há unanimidade na caserna para aplaudir qualquer gesto presidencial. Pelo contrário: na verdade, há muitos militares que discordam.
O artigo de Rêgo Barros vem expondo cada vez mais uma divisão entre membros das Forças Armadas que se queixam do espaço que Bolsonaro vem dando ao Centrão. E se queixam especialmente das críticas que vêm sofrendo da chamada ala ideológica do governo. Muitos integrantes do governo, que apoiam o general Rêgo Barros, lembram a figura do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, que recentemente foi completamente desmoralizado por Bolsonaro na questão da compra de vacinas chinesas. Lembram, também, que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chamou o ministro-general da Secretaria do governo, Luiz Eduardo Ramos, de “Maria-Fofoca”. Mas no governo há generais que acusam Rêgo Barros de ressentido, por não ter sido promovido a general de 4 estrelas na última lista de promoção, ocasião em que foi para a reserva. O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva afirma que o ex-porta-voz escreveu em seu próprio nome, foi uma atitude de cunho pessoal. Já outro general, Paulo Chagas, achou oportuno o artigo escrito por Rêgo Barros, observando acreditar que isso poderá inclusive trazer ao governo uma repercussão positiva. Muitos militares no governo deixaram de ser respeitados. Outros foram abandonados no meio do caminho, envolvidos pelas intrigas palacianas. Rêgo Barros chegou a falar de “um governante piromaníaco”. O artigo do general, no fundo, revela que nem tudo é um mar de rosas como muitas vezes pode parecer. O governo está sempre envolvido em questões que envolvem vaidades e poder. Passou batido na imprensa, algo que não chego a compreender. A ideia que se tem é que no governo um quer devorar o outro. Por isso, fico com uma frase do general ex-porta-voz que, para mim, resume tudo: “ O poder inebria, corrompe e destrói”.
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