Covid-19 é tão perversa que não colapsa apenas o sistema de saúde, mas também seus profissionais

Pesquisa mostra que 89% dos médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem não têm mais condições psicológicas de trabalhar na linha de frente do combate ao coronavírus

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 04/06/2021 15h16 - Atualizado em 04/06/2021 15h23
Adeleke Anthony/Thenews2/Estadão Conteúdo - 13/05/2021 Mural ainda inacabado, pintado na lateral de hospital, mostra os rostos de nove profissionais da saúde Mural no Hospital da Cruz Vermelha, na zona sul de São Paulo, homenageia os profissionais de saúde que atuam no enfrentamento da pandemia

A Covid-19 começa a mostrar uma face igualmente perversa. E quase nada se diz a respeito sobre um assunto ao qual não está se dando um cuidado especial. A pandemia começa a atingir não somente a vida humana no Brasil, produzindo, até agora, mais de 465 mil mortes. Há outras questões ligadas à doença que deviam merecer mais atenção do governo. Os profissionais da saúde simplesmente chegaram à exaustão. Basta dizer que 89% dos médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem no país praticamente não têm mais condições de estar na linha de frente do enfrentamento ao coronavírus. É o que revela pesquisa realizada com mais de 4 mil desses profissionais em todas as regiões do país. O levantamento foi realizado pela PebMed, que produz conteúdo educativo para médicos. A empresa faz parte da Afya Educacional, grupo de faculdades de medicina do país. O que mais chama atenção é o sentimento de desamparo emocional da categoria em meio à pandemia. Mesmo assim, os profissionais da saúde admitem que ao longo do tempo aprenderam a lidar com a doença, conseguindo superar problemas que ainda recentemente eram considerados irreversíveis. 

Isso ocorre especialmente nos procedimento de intubação de pacientes que não conseguem mais respirar adequadamente sem auxílio de aparelhos. Operar o ventilador mecânico também se tornou mais fácil. Seja como for, o esgotamento vem crescendo cada vez mais e precisa de uma atenção especial. Os médicos e demais profissionais da saúde estão ficando doentes diante de um trabalho exaustivo e incessante. Eduardo Moura, um dos fundadores da PebMed, observa que existe atualmente um desajuste na linha de frente no combate à Covid-19. A evolução dos profissionais para cuidar dos pacientes se focou especialmente na questão técnica, deixando em segundo plano o equilíbrio psicológico. Significa que esse problema vem crescendo de maneira assustadora e o suporte emocional, agora, é um fator fundamental. Moura observa que, nessa questão, nada se aprendeu. Trata-se de um tipo de preparo que deveria ser dado pelos serviços de saúde, sejam públicos ou particulares. O bem-estar psicológico dos profissionais da saúde é cada vez mais baixo na pandemia devido à ausência de melhores condições de trabalho, e isso implica no tamanho das equipes e da oferta de insumos.

O que se destaca negativamente nesse estado é a falta de leitos de UTI. Outra questão igualmente grave é a falta do “kit intubação” e do oxigênio para auxiliar o doente. Falta até equipamentos de proteção individual. O resultado desse caos exige que os profissionais sejam obrigados a fazer escolhas difíceis, que deixam marcas profundas. Isso ocorre, por exemplo, na questão dos respiradores mecânicos para os doentes. Cabe ao médico escolher quem receberá o tratamento. Muitos pacientes perdem a vida (e poderiam ser salvos). Os profissionais da saúde não estavam acostumados com situações assim, quando a vida passa a ser uma questão de sorte ou de azar. Trata-se de uma carga emocional muito alta, difícil de ser contornada. É doloroso ver pacientes jovens, com a vida pela frente, chegarem ao óbito por causa de uma estrutura que não é capaz de suportar o número de doentes.

Para os médicos e demais profissionais da saúde, a vacina é uma esperança, mas não cessa a preocupação. Mesmo os aqueles já vacinados receiam ser reinfectados e levar o vírus para a família. Essa questão atinge praticamente 100% dos profissionais. Disso tudo se conclui que a perversidade da doença pode ir além do que ela tem mostrado. De repente, podem faltar médicos e enfermeiros para dar atendimento aos doentes nesse cenário sombrio. O que é um assombro é saber que autoridades do país continuam a não aceitar as imposições da Covid-19, como o isolamento social, o uso de máscara, evitar aglomerações e demais cuidados. Para esses, tudo não passa de uma ficção. Infelizmente é assim. E sendo assim, o vírus continuará a encontrar um campo fértil. Mas, no fundo, o exemplo devia vir de cima, como tem sido em países civilizados. Não é o caso do Brasil. 

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