Governo se apoia em ladainha para manter as mãos atadas no combate à Covid-19

Velha desculpa é de que o STF não deixa o Planalto agir, mas Luiz Fux, presidente do Supremo, explicou que autonomia concedida a Estados e Municípios não alija a União do processo

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 03/06/2021 14h21
Paulo Guereta/Agência O Dia/Estadão Conteúdo - 25/03/2021 Vestidos com roupas de proteção, coveiros enterram vítima da Covid-19 na Vila Formosa Vítima da Covid-19 é enterrada em cemitério na zona leste de São Paulo

O comportamento das autoridades do país passa a ideia de que a pandemia não existe. Está tudo ótimo por aqui, mesmo com mais de 465 mil mortes. Está tudo bem, tudo bom. Ninguém deve se preocupar com nada. O vírus é uma coisa à toa. E quando cobrado pela ineficiência no enfrentamento à doença, tornou-se normal dizer que o governo foi proibido de agir pelo STF, o que nunca aconteceu. Mas, em casos assim, vale sempre a palavra do mais forte. E essa palavra do mais forte, tantas vezes repetida, acaba se transformando em uma “verdade”. Vejam esta afirmação do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal: “O STF não só decidiu de maneira bem didática, mas também como muita reverência à ciência”. Fux referia-se à decisão de dar aos governos estaduais e municipais do país, em 2020, a autonomia de decretarem medidas restritivas no combate à Covid-19. Observou que se tratava de uma atuação legítima, porque os governadores e os prefeitos sabem exatamente quais são as necessidades da população. Mas isso não significa que o governo federal esteja alijado desse processo.

O mesmo correu quanto à vacinação. Fux disse que o direito de não ser vacinado termina quando começa o direito do outro de não sofrer a transmissão da doença. Assinalou que o STF agiu prontamente. Hoje existe uma jurisprudência coerente, estável e íntegra que serve de orientação para toda a magistratura nacional. O magistrado falou no seminário “E agora, Brasil?”, realizado pelos jornais “O Globo” e “Valor Econômico” na quinta-feira, 27, para discutir os direitos fundamentais das populações mais vulneráveis durante a pandemia. O presidente do STF abordou a importância de os juízes aferirem o sentimento constitucional do povo, pelo povo e para o povo. Argumentou, então, que a pandemia trouxe a urgência de garantir do direito à saúde e, ao mesmo tempo, a segurança jurídica para o ambiente econômico do país, salientando que as unidades federadas têm competência para ditar medidas diversas do que pensa o governo federal e legitimou essa atuação.

Fux informou algo surpreendente: O STF é a Corte constitucional que mais julgou casos de Covid-19 no mundo, com mais de 10 mil decisões. Esse fato despertou elogios da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e incentivou a internacionalização da jurisprudência sobre o assunto. A posição do Supremo bate de frente com o que pensa ou deduz o presidente Bolsonaro. Diante do verdadeiro descaso do governo federal em relação à pandemia, a resposta está sempre na ponta da língua a dizer que o presidente foi “proibido” de atuar pelo STF. E essa ladainha ter servido para justificar quase tudo que envolva a doença no país. Como se a Corte tivesse amarrado as mãos do Planalto. A despreocupação em relação à Covid-19 causa constrangimentos de toda ordem. O Brasil é o único país no mundo que ignora o que diz a ciência e passa por cima de toda a orientação sobre o combate ao coronavírus. Pior é que essa inércia vem acompanhada por uma indiferença inaceitável. Basta dizer que o Ministério da Saúde trocou de ministro quatro vezes.

Como se não bastasse esse absurdo, descobriu-se agora que, além do ministério oficial, há também um ministério paralelo que decide o que deve ser feito, enquanto a crise se aprofunda. Mas, talvez, a crise não seja tão grave como dizem as más línguas, já que o comportamento do governo desde o aparecimento do coronavírus chega a ser até divertido, como se o Brasil fosse o país mais feliz do mundo, livre de todas as pragas. Infelizmente, não é. Essa conduta revela desprezo. O Brasil não é feliz. O ministro Luiz Fux ponderou que, diante da retração da economia, motivada pelo coronavírus, o direito deve ser estimulado a se adaptar a essa nova realidade por meio do incentivo à solução de conflitos e à conciliação. Fux admite que a pandemia trouxe impactos econômicos muitos graves ao país. Mas o direito prevê como instrumentos de eficiência do sistema jurídico, os meios alternativos de solução dos conflitos. Está tudo correto. Pena que as palavras do presidente do STF se percam ao vento. No fundo, a população se sente desamparada quando um governo se mostra até contra a vacinação. E assim vai continuar. O melhor mesmo é dar as costas a um problema dos mais graves que atingiu o Brasil. Sempre faltou-nos uma liderança responsável e competente. A palavra é dura e amarga, mas a verdade é que desde o início de tudo estamos entregues à própria sorte.

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