Enquanto o mundo impõe restrições contra a Ômicron, o Brasil vai na contramão

Passaporte da vacina é uma forma de proteção contra a variante, mas o presidente ainda trata a Covid como uma frivolidade

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 09/12/2021 13h52
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Tânia Rêgo/Agência Brasil comprovante de vacinação; passaporte sanitário Governo federal descartou a exigência do passaporte da vacina para entrada no Brasil

Bolsonaro deu a chance e o governador João Doria entrou com tudo. Se o governo federal não implantar o passaporte da vacina até dia 15 próximo, Doria tomará essa medida em São Paulo, no aeroporto Internacional de Cumbica, na Grande São Paulo, e no Porto de Santos. Foi uma chance, também, para Luiz Inácio da Silva desancar Bolsonaro, dizendo que seu comportamento na pandemia foi sempre contra o povo, tratando de uma questão tão grave sempre com descaso. Claro que, se fosse uma pessoa recatada – só um pouco recatada – talvez civilizada – só um pouco também – o presidente Bolsonaro trataria desse assunto sobre o passaporte da vacina de outra maneira. Não precisaria esbravejar numa reunião com empresários da CNI. Uma explosão de raiva. E tem sido assim desde o aparecimento do coronavírus, quando se negou a comprar as vacinas necessárias já no início da pandemia. Comprou com muito atraso e o tempo se encarregou de somar mais de 600 mil mortos pela doença.

Agora surgiu o Ômicron, a nova variante do vírus que poderá causar muita desgraça ao mundo. E novamente o Brasil está na contramão. Bolsonaro desmoralizou a Anvisa, que pediu ao governo a implantação do passaporte da vacina para os estrangeiros que chegarem ao Brasil, exatamente como vêm fazendo os países mais desenvolvidos e civilizados do mundo. Trata-se de uma proteção. Alguém que não tomou a vacina, como Bolsonaro, não tem o direito de estar num ambiente em que as pessoas seguiram as normas pregadas pela ciência, vacinando-se para enfrentar a doença. Mas o presidente, não. Além de não tomar a vacina, não quer saber de conversa. E é lamentável. Só não pode tomar suas medidas com um linguajar usado nas ruas e nos botecos onde os bêbados discutem frivolidades.

Certamente no Palácio do Planalto a Covid é uma frivolidade. Nessa reunião com empresários, na terça-feira, 7, o presidente criticou a proposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), classificando-a como uma “coleira”, por exigir a prova de vacinação contra o vírus para entrar no Brasil. “Vai começar esse negócio de novo, porra?”, gritou o presidente já fora de controle. A seguir, afirmou que a Anvisa quer fechar o espaço aéreo brasileiro e essa afirmação é uma grande inverdade. A Anvisa apenas pediu uma prova de imunização para quem entrasse no Brasil, como estão fazendo outros governantes do mundo que respeitam o seu povo. Bolsonaro ironizou a variante Ômicron, que é a preocupação da Organização Mundial da Saúde (OMS), dizendo que “vai ter um  montão de variante”. Em outras palavras, Bolsonaro continua a zombar da doença. Agora, sim, o governo tem um ministro da Saúde à altura, Marcelo Queiroga, o servil. Tudo indica que ele deixou de ser médico. Trata-se de um serviçal que repete as palavras de Bolsonaro.

O seu comunicado ao país na terça-feira, 7, foi uma peça hilariante, constrangedora, vergonhosa, de palavras vazias, inócua. Inicialmente, Queiroga adiantou que o governo exigirá quarentena de 5 dias para os não vacinados que chegaram ao Brasil. Singelamente, o ministro afirmou que não se pode discriminar as pessoas entre vacinados e não vacinados para, a partir daí, impor restrições. Então o senhor ministro repetiu o que já tinha dito o presidente Bolsonaro: “Às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade”. Uma frase para entrar na história do Brasil. Lastimável em todos os sentidos. Parecia uma declaração de guerra. Chega a ser inacreditável que um ministro da saúde de qualquer país tenha o comportamento do ministro brasileiro. Queiroga afirmou que o passaporte cria mais discórdia que consenso, dizendo que a proposta da Anvisa pode ser acatada ou não. É impressionante e revoltante também.

O presidente Bolsonaro está cheio do diretor presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, um militar da Marinha que ele mesmo nomeou, como uma espécie de aliado. Mas Barra Torres vem seguindo uma linha técnica nas medidas que toma. Ele disse nesta quarta-feira, 8, que essas declarações de Bolsonaro tornam a população mais vulnerável à Covid, especialmente a intenção de abrir as fronteiras brasileiras. O presidente da Anvisa não pode ser exonerado, por se tratar de um cargo com mandato. Barra Torres é médico formado pela Fundação Técnico-Educacional Souza Marques, com residência em cirurgia vascular no Hospital Naval Marcílio Dias. Ingressou na Marinha em 1978 e, em 2015, chegou ao posto de contra-almirante, o terceiro posto mais alto da corporação. Na semana passada, Barra Torres convocou uma reunião para discutir a questão do passaporte da vacina. Quando soube, algumas horas antes, Bolsonaro cancelou o encontro.  Ninguém sabe ainda ao certo o que significa a variante Ômicron. Mas seja o que for, o Brasil já se coloca na contramão. E tudo é resolvido no grito e no tranco. E é no grito e no tranco que a população se vê sem rumo. Mas saibam todos, o mundo está errado. O único certo nessa história é o Brasil. O Brasil é infalível.

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