Enquanto pacientes sofrem amarrados ou morrem, autoridades querem resolver Covid-19 com reuniões

Alguém precisa ser responsabilizado pela dor das famílias que perdem seus entes ou os veem gemendo de dor, imobilizados em uma cama de hospital devido à falta de sedativos

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 29/04/2021 15h48 - Atualizado em 29/04/2021 15h51
SAULO ANGELO/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - 28/04/2021 Cruzes e covas no Cemitério São Francisco Xavier (Cemitério do Caju), na cidade do Rio de janeiro, nesta Quarta-Feira (28 Cruzes e covas em cemitério do Rio de Janeiro, muitas delas instaladas recentemente devido ao aumento de mortes por Covid-19

O título deste texto poderia ser “O caminho da dor até a morte”. Mas isso fica subtendido. Aliás, está em todas as letras. Esse problema anda meio desaparecido dos jornais. Mas ele ainda existe e é assustador, inaceitável também. Chegamos a um caos sem limite. É o terror da Covid-19. A morte dói. Dói muito, embora alguns perguntam quando é que vamos parar de chorar? Os holofotes foram ligados para o grande espetáculo da CPI. A Covid-19 no Brasil está vencendo todas as batalhas. Basta ver a pilha de mortos nos corredores. Nas ruas. Nos quartos. Na loucura. Basta ver. Certo, ninguém vê, mas os mortos estão em todo lugar. Alguém terá de ser responsabilizado por isso. Não pode passar batido, como é costume nesta terra. Médicos de várias regiões do país estão denunciando que, na falta de medicamentos de sedação para intubação, os doentes estão sendo amarrados na cama. Amarram os pés e as mãos para que os pacientes consigam suportar a dor.

A primeira denúncia partiu de médicos do Hospital Municipal de Vila Brasilândia, em São Paulo, ao G1, nesta segunda-feira, 26. A seguir, denúncias semelhantes começaram a chegar ao Ministério da Saúde. E tudo termina numa reunião para discutir o assunto. De acordo com os médicos, faltam vários insumos, medicamentos de sedação, luvas e até ataduras, itens essenciais para o tratamento. Alguns hospitais ainda dispõem dos remédios necessários para fazer a intubação, mas faltam os medicamentos para manter os doentes graves sedados e imóveis. E o efeito desses remédios dura apenas alguns minutos. Daí surgem graves problemas no pulmão, que quase sempre terminam em óbito. Os médicos observam que não há como fazer tratamento adequado para salvar o doente. Diante da falta de quase tudo, dizem-se impotentes ao ver o paciente morrendo aos poucos.

No que se refere ao Hospital Municipal de Vila Brasilândia, a administração é feita pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), organização contratada pela Prefeitura de São Paulo. O hospital recebeu recentemente o chamado “kit intubação”, que durou apenas uma semana. É o que se repete Brasil afora. Em nota distribuída à imprensa nesta segunda-feira, 26, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo afirmou que o abastecimento de medicamentos para intubação na rede municipal é considerado regular. E disse, singelamente, que o problema surge no momento da extubação — quando são retirados os medicamentos da intubação. O paciente fica muito agitado e, para evitar que se machuque, é então imobilizado fisicamente. O problema vem ocorrendo especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. No último dia 19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) adiantou que já vinha recebendo essas informações. Tanto que, na sexta-feira, 19, distribuiu uma nota sobre a falta de medicamentos para intubação, especialmente anestésicos injetáveis, relaxantes musculares e sedativos em hospitais e nos estoques no Ministério da Saúde e Secretarias da Saúde. A Anvisa informou que vem trabalhando em várias frentes para reduzir o risco de desabastecimento.

Explicou que já adotou medidas para tornar mais rápida a aquisição desses remédios, favorecendo o aceso e a disponibilidade desses produtos com eficácia, segurança e qualidade. Na terça-feira, 16, o Ministério da Saúde distribuiu mais de 2,3 milhões de medicamento do “kit intubação”. Os insumos foram adquiridos na China e doados ao governo por empresas como Vale, Petrobrás, Engie, Itaú-Unibanco, Klabin e Raízen. Mas esse material já acabou. Durou somente dez dias. A verdade é que o problema está ocorrendo em várias regiões brasileiras onde os hospitais enfrentam problemas com falta de leitos e, agora, com a falta de uma medicação imprescindível às pessoas que necessitam de intubação para salvar a vida. Recorrer a quem, senão ao governo? E o que diz o governo? Pode não dizer nada ou fazer promessas que ficam nas salas de reuniões. Meu Deus, como se faz reunião neste país! E assim seguimos. Alguma coisa diz que, apesar da discussão sobre a Covid-19, parece que estamos sozinhos. 

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