Na contramão da lógica, governo federal insiste em desobrigar o uso da máscara
Especialistas e até o ministro Marcelo Queiroga reforçam a necessidade do equipamento de proteção, mas Bolsonaro é o único governante no caminho oposto
Parece ter se tornado uma norma no Brasil ver um povo desorientado, sem saber ao certo o que deve fazer. E isso ocorre exatamente no que diz respeito ao flagelo da Covid-19, em que a ciência é ignorada e o que vale são convicções pessoais passadas à população como uma espécie de determinação oficial. O presidente Bolsonaro não desiste. Sempre foi contra tudo o que diz respeito ao coronavírus, e continua assim, sendo o único governante do mundo a seguir essa trilha. Ele quer, agora, acabar com o uso da máscara, recomendado pela ciência como proteção indispensável no combate à doença. Como informou recentemente em cerimônia no Palácio do Planalto, um “tal” de Queiroga, que é o ministro da Saúde, publicará nos próximos dias um parecer desobrigando o uso da máscara para aqueles que já foram vacinados e os que já contraíram a doença. O Ministério da Saúde deverá definir três situações para desobrigar o uso da proteção.
Queiroga, o médico servil, levará em conta o número de novos casos de pessoas infeccionadas, a taxa de ocupação nos hospitais e a quantidade de pessoas imunizadas em cada região do país. O documento solicitado por Bolsonaro está sendo elaborado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE), um nome pomposo, que cabe bem no Brasil atual, um país que faz questão de contrariar o bom senso. Bolsonaro sentiu o desgaste quando falou sobre o assunto pela primeira vez. Mas não desistiu. O presidente parece gostar de caminhar na contramão das coisas lógicas. Não desistiu, mas pediu cuidado para a elaboração do parecer. Pediu cuidado, mas continua dando exemplos de má conduta, como retirar a máscara do rosto de uma criança a qual pegou no colo na sexta-feira, 25. Uma cena lamentável, mas aplaudida pelos presentes numa aglomeração. Tudo parece ser engraçado neste país. Na verdade, tudo é engraçado.
O documento que pretende acabar com o uso da máscara desafia toda a orientação da ciência e, no caso do Brasil, não se aplica, porque o país ainda registra altos níveis de contágios e de mortes. Rodrigo Cruz, secretário executivo do Ministério da Saúde, tenta remendar a orientação presidencial, dizendo que ainda não há data para a conclusão do estudo, observando que a orientação da pasta, independentemente do que pensa Bolsonaro, é de que o brasileiro continue a usar a máscara de proteção. E o ministro da Saúde se apressa em dizer que se trata de apenas um estudo, não há nada decidido nessa questão. Até porque, acima de qualquer outro fator, a vacinação será decisiva para deixar a máscara de lado. E, depois dela, o Brasil acompanhará a experiência de outros países, alguns que já dispensaram o uso da máscara só em ambientes ao ar livre. Seja como for, no Brasil de agora, a máscara continua, bem como o distanciamento social e higienização constante das mãos. Pelo menos é o que diz sempre Queiroga. Mas, sinceramente, o que adianta o ministro da Saúde ter um discurso e o presidente da República outro?
Na avaliação de muitos epidemiologistas, essa medida só poderá ser tomada quando a pandemia estiver controlada. No entanto, Bolsonaro não quer ver máscara no rosto de ninguém. Pesquisador da Universidade Vermont e membro do Observatório Covid-19 BR, Vitor Mori afirma que uma conduta assim é perigosa porque o início da transmissão do vírus ocorre antes de as pessoas apresentarem os primeiros sintomas. Significa que assintomáticos ou pré-sintomáticos podem transmitir o vírus sem saber. Só a máscara evita que isso aconteça. A tensão entre o ministro, o “tal” Queiroga, e o presidente voltou. Na verdade, o quadro revela o médico de um lado e Bolsonaro do outro. O ministro se atreveu a dizer que o uso da máscara é importante. Tanto que, quando assumiu o ministério, afirmou que queria que o Brasil fosse a “pátria de máscara”, para reduzir a circulação do vírus.
Exatamente quando essa nova discussão surgiu no Brasil, a revista “Science” publicada na sexta-feira, 24, diz tudo ao contrário do que prega Bolsonaro, observando que a máscara continua sendo o equipamento fundamental de proteção individual para evitar a transmissão do coronavírus. O estudo realizado por cientistas da China, Alemanha e Estados Unidos observa que a máscara, tanto a cirúrgica ou a considerada comum, tem o poder de diminuir o risco de contaminação, especialmente em aglomerações e recintos fechados. Discussões assim, inúteis, sempre provocadas pelo presidente, deixam a população desorientada. E isso só ocorre no Brasil, onde mais de meio milhão de pessoas já morreram vítimas do vírus, o que parece não ter significado nada.
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