Na contramão da lógica, governo federal insiste em desobrigar o uso da máscara

Especialistas e até o ministro Marcelo Queiroga reforçam a necessidade do equipamento de proteção, mas Bolsonaro é o único governante no caminho oposto

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 30/06/2021 11h43
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Aloisio Mauricio/Fortoarena/Estadão Conteúdo Na Avenida Paulista, mulher negra usa máscara no queixo; imagem mostra outras pessoas ao redor, todas com máscara Mulher usa máscara no queixo na Avenida Paulista, em São Paulo

Parece ter se tornado uma norma no Brasil ver um povo desorientado, sem saber ao certo o que deve fazer. E isso ocorre exatamente no que diz respeito ao flagelo da Covid-19, em que a ciência é ignorada e o que vale são convicções pessoais passadas à população como uma espécie de determinação oficial. O presidente Bolsonaro não desiste. Sempre foi contra tudo o que diz respeito ao coronavírus, e continua assim, sendo o único governante do mundo a seguir essa trilha. Ele quer, agora, acabar com o uso da máscara, recomendado pela ciência como proteção indispensável no combate à doença. Como informou recentemente em cerimônia no Palácio do Planalto, um “tal” de Queiroga, que é o ministro da Saúde, publicará nos próximos dias um parecer desobrigando o uso da máscara para aqueles que já foram vacinados e os que já contraíram a doença. O Ministério da Saúde deverá definir três situações para desobrigar o uso da proteção.

Queiroga, o médico servil, levará em conta o número de novos casos de pessoas infeccionadas, a taxa de ocupação nos hospitais e a quantidade de pessoas imunizadas em cada região do país. O documento solicitado por Bolsonaro está sendo elaborado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE), um nome pomposo, que cabe bem no Brasil atual, um país que faz questão de contrariar o bom senso. Bolsonaro sentiu o desgaste quando falou sobre o assunto pela primeira vez. Mas não desistiu. O presidente parece gostar de caminhar na contramão das coisas lógicas. Não desistiu, mas pediu cuidado para a elaboração do parecer. Pediu cuidado, mas continua dando exemplos de má conduta, como retirar a máscara do rosto de uma criança a qual pegou no colo na sexta-feira, 25. Uma cena lamentável, mas aplaudida pelos presentes numa aglomeração. Tudo parece ser engraçado neste país. Na verdade, tudo é engraçado.

O documento que pretende acabar com o uso da máscara desafia toda a orientação da ciência e, no caso do Brasil, não se aplica, porque o país ainda registra altos níveis de contágios e de mortes. Rodrigo Cruz, secretário executivo do Ministério da Saúde, tenta remendar a orientação presidencial, dizendo que ainda não há data para a conclusão do estudo, observando que a orientação da pasta, independentemente do que pensa Bolsonaro, é de que o brasileiro continue a usar a máscara de proteção. E o ministro da Saúde se apressa em dizer que se trata de apenas um estudo, não há nada decidido nessa questão. Até porque, acima de qualquer outro fator, a vacinação será decisiva para deixar a máscara de lado. E, depois dela, o Brasil acompanhará a experiência de outros países, alguns que já dispensaram o uso da máscara só em ambientes ao ar livre. Seja como for, no Brasil de agora, a máscara continua, bem como o distanciamento social e higienização constante das mãos. Pelo menos é o que diz sempre Queiroga. Mas, sinceramente, o que adianta o ministro da Saúde ter um discurso e o presidente da República outro?

Na avaliação de muitos epidemiologistas, essa medida só poderá ser tomada quando a pandemia estiver controlada. No entanto, Bolsonaro não quer ver máscara no rosto de ninguém. Pesquisador da Universidade Vermont e membro do Observatório Covid-19 BR, Vitor Mori afirma que uma conduta assim é perigosa porque o início da transmissão do vírus ocorre antes de as pessoas apresentarem os primeiros sintomas. Significa que assintomáticos ou pré-sintomáticos podem transmitir o vírus sem saber. Só a máscara evita que isso aconteça. A tensão entre o ministro, o “tal” Queiroga, e o presidente voltou. Na verdade, o quadro revela o médico de um lado e Bolsonaro do outro. O ministro se atreveu a dizer que o uso da máscara é importante. Tanto que, quando assumiu o ministério, afirmou que queria que o Brasil fosse a “pátria de máscara”, para reduzir a circulação do vírus.

Exatamente quando essa nova discussão surgiu no Brasil, a revista “Science” publicada na sexta-feira, 24, diz tudo ao contrário do que prega Bolsonaro, observando que a máscara continua sendo o equipamento fundamental de proteção individual para evitar a transmissão do coronavírus. O estudo realizado por cientistas da China, Alemanha e Estados Unidos observa que a máscara, tanto a cirúrgica ou a considerada comum, tem o poder de diminuir o risco de contaminação, especialmente em aglomerações e recintos fechados. Discussões assim, inúteis, sempre provocadas pelo presidente, deixam a população desorientada. E isso só ocorre no Brasil, onde mais de meio milhão de pessoas já morreram vítimas do vírus, o que parece não ter significado nada.

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