O deputado Fernando Cury finge que é inocente, eu finjo que acredito
Veja só que lindo: o parlamentar que apalpou o seio de Isa Penna alega que quis apenas abraçar a colega como uma forma de demonstração de afeto; se a Alesp espera ser levada a sério, não cairá neste truque
É caso de cassação. Não pode ser diferente. É abuso demais. É debochar do povo mesmo. Por isso recebo esta notícia com muito prazer, o maior prazer do mundo: a Justiça de São Paulo autoriza investigação criminal contra o deputado estadual Fernando Cury, aquele leviano que apalpou o seio da colega Isa Penna, do PSOL. Esse fato lastimável aconteceu no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), de uma maneira covarde, mostrando bem como pensa e age grande parte dos parlamentares brasileiros. Cury foi afastado das funções de seu partido no dia 18 de dezembro, diante da repercussão do caso nas redes sociais. E nessa mesma ocasião, o Conselho de Ética da Alesp começou a tratar de sua cassação, que será resolvida no mês que vem, fevereiro, após o final do recesso.
O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa é composto por oito membros, com apenas uma mulher. O deputado Carlos Giannazi, do PSOL, já cedeu seu lugar para a colega de partido Érica Malunginho, objetivando aumentar a representatividade feminina entre os julgadores. Mas o Brasil é a terra dos recursos judiciais, nunca vamos nos esquecer disso. E, diante desse quadro em que começam a predominar as manobras para salvar Fernando Cury, Isa Penna disse que nem ela nem as mulheres brasileiras aceitam as desculpas do deputado. O que ele fez foi um crime e precisa reconhecê-lo, sem se esconder atrás de palavras bonitas com pedido de desculpas. Isa observa que o corpo da mulher não é público e que só o toca quem ela quiser. Ela pergunta: “O que dá direito de alguém encostar numa parte íntima de meu corpo?”. A deputada tem toda razão. Nem se discute. No seu pedido de desculpas, o parlamentar afirmou que não agiu de má fé e que costuma beijar e abraçar as mulheres de sua assessoria. E não vê nada demais nisso.
No pedido de investigação, o Ministério Público observa que a ocorrência pode ter contornos criminais e configurar um crime de natureza sexual. Também serão ouvidos pelo menos 11 parlamentares que presenciaram a cena. Por ironia, Fernando Cury pertence ao partido Cidadania. É para rir. A decisão do desembargador João Carlos Saletti foi publicada na segunda-feira, 18. Como sempre, a defesa do deputado adianta que ainda não tomou conhecimento do teor da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. E, como sempre também, a defesa já adiantou que Cury “vai provar sua inocência”. Todos eles sempre são inocentes. Até com um vídeo claro mostrando a cena sórdida por inteiro, vai provar sua inocência. Tem-se que se rir, outra vez. O Brasil tem uma porção de coisas que somente causam risos. Mas a nossa risada, infelizmente, nem sempre é de alegria. A defesa assegura que o deputado em nenhum momento teve ideia de importunação sexual ao apalpar o seio de Isa Penna. Não, não e não! O deputado quis apenas abraçar a colega como uma forma de demonstração de afeto. Puxa vida, que lindo! A defesa ainda observa que o próprio vídeo que mostra a cena revela que Cury apenas abraçou Isa, sem nenhuma malícia, sem qualquer manifestação sexual e sem discriminação de gênero.
O pedido do Ministério Público de São Paulo também atende à solicitação da defesa de Isa Penna, que exige uma investigação criminal do caso. Nada de conversa, Conselho de Ética e essas coisas que sempre terminam em nada. A verdade é uma só: o deputado Fernando Cury tem que ser expulso da Assembleia Legislativa paulista, se é que a Alesp deseja ser levada a sério pela população de São Paulo. Já o partido Cidadania abriu um processo disciplinar no Conselho de Ética. Mas Fernando Cury foi rápido no gatilho. Conseguiu uma liminar na Justiça de Brasília suspendendo o processo em que é acusado em ferir o código do partido. Quer dizer, Cury está escorado nessa liminar porque a intenção da legenda é expulsá-lo. O partido afirma que o episódio revela desrespeito e afronta, e, por esse motivo, a expulsão se faz necessária. A liminar foi concedida pela juíza Thássia de Moura Guimarães, da 20ª Vara Cível de Brasília, observando que a representação contra o deputado foi genérica e que ele não teve oportunidade de se defender. Com a liminar nas mãos, o acusado afirma não ter nenhuma dúvida de que está sendo julgado de maneira ilegal, que violaria a própria Constituição Brasileira.
No seu artigo 125-A, o Código Penal estabelece como importunação sexual “praticar contra alguém e sem sua anuência ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A pena prevista para os condenados nesses casos vai de 1 a 5 anos de reclusão. É aí que se meteu o nobre deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo. Não pode ter perdão. Feriu o decoro e constrangeu uma mulher, sua colega de parlamento. Tem que pagar. Isso não pode passar em brancas nuvens, como é costuma nesta terra de muitas leis e pouca justiça.
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