Passaporte da vacina é mais um assunto para governo e Congresso baterem cabeça
Parlamentares alegam que projeto pode facilitar viagens a brasileiros, o presidente diz que vetará e o problema da Covid-19 continua sem solução
Então está todo mundo avisado: o presidente Jair Bolsonaro afirmou que vai vetar o chamado “passaporte da imunidade”. Como o Brasil é um país que vive em plena paz e harmonia, os parlamentares passam o tempo inventando coisas para azucrinar a cabeça de toda gente. É uma espécie de diversão daqueles que têm muito a fazer, mas quase sempre preferem não fazer nada. Agora inventaram o tal passaporte para pessoas que foram vacinadas contra a Covid-19. O texto já foi aprovado pelo Senado, devendo seguir agora para a Câmara dos Deputados. Se passar também na Câmara, vai a Bolsonaro, e ele já avisou que vetará. Falando a um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada, nesta segunda-feira, 14, o presidente perguntou se a vacina vai ser obrigatória no Brasil. A claque respondeu que não. E como não será obrigatória, essa ideia de passaporte da imunidade é mais uma invenção das muitas que quase sempre atacam as cabeças vazias dos parlamentares e autoridades brasileiras.
O presidente observou que cada país tem as suas regras e, no Brasil, a vacina contra o coronavírus não será obrigatória. Toma a vacina quem quiser, de preferência no braço. Os parlamentares garantem que, sem esse passaporte da imunidade, as viagens ao exterior, por exemplo, serão prejudicadas. Muitos países passarão a exigir um documento que prove a vacinação. Se não provar, não entra. Mas o tal passaporte será utilizado também no território brasileiro. Muita coisa no país poderá ser proibida para quem não tomar a vacina. O tal passaporte chama-se Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (CSS). Será um documento que liberará acesso a eventos culturais e esportivos, reservas naturais e cruzeiros, entre outros locais que utilizaram restrições para combater o vírus, incluindo distanciamento social e máscara. No fundo, Bolsonaro não acredita que o projeto será aprovado. Na verdade, essa nova questão brasileira pode ser transformar em mais um problema. Mais um.
Explica-se: qualquer país do mundo tem direito de não deixar entrar em seu território quem não for vacinado contra a Covid-19. Qualquer país do mundo tem o direito de se proteger. Então, o que de início parece uma aberração, no final poderá ser uma norma. De qualquer maneira, Bolsonaro afirma que vetará. No entanto, o Congresso poderá derrubar o veto presidencial. E se o veto for derrubado, o projeto vira lei. E aí, como é que fica? A vacina contra a Covid-19 tem de ser obrigatória? Não. Toma a vacina quer quiser tomar. Quem não quiser não toma. Cabe bem aqui uma frase do escritor português Eça de Queiróz, rival do brasileiro Machado de Assis: “Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pela mesma razão”. Só pode ser isso. Mas, repetindo: os países no mundo podem fazer disso uma exigência. Afinal, são livres para agir e criar normas para se defender da doença. Não é um quadro tão simples como parece.
O que chega a ser engraçado é a reação das figuras que se alinham de corpo e alma com o governo. Os aliados — e a oposição também — dizem coisas inacreditáveis, que só podem ser classificadas como delírio. Gente que delira, sim, dizendo absurdos que beiram ao ridículo, com uma veemência dos que perderam a noção correta das coisas. Todo mundo fala em sua liberdade individual, mas poucos lembram do coletivo. Calma, gente, isso aí é só um projeto! Se realmente virar lei, aí será possível discutir o assunto com civilidade, em busca de uma solução. Dividido como está, com alucinados de todos os lados, este país não vai longe. Na prática mundial, há dois exemplos de obrigatoriedade de uma vacina: uma que propõe multas a quem não se vacinou, chamada “compulsory vaccination”, e outra denominada “mandatory vaccination”, que impede a entrada em determinados lugares.
Os brasileiros, em grande maioria, quase 80%, são favoráveis à obrigatoriedade da vacina, de acordo com levantamento do Ipsos Global Health Service Monitor. Mesmo assim, o Brasil ficou abaixo, pela ordem, da Malásia, Argentina, Arábia Saudita e Peru. Por várias vezes Bolsonaro já se manifestou contra a obrigatoriedade da vacinação, chegando a dizer que essa ideia é uma maneira de criar terror na opinião pública. Seja como for, o país terá mais um problema para discutir exaustivamente. Umas 300 reuniões, por exemplo, poderiam, no máximo, encaminhar o problema. Resolver, nunca. Mais um capítulo da emoção brasileira para passar o tempo. E aí, você já tomou sua vacina?
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