Quem é o responsável por tantas mortes e desmandos em Manaus?
Amazonas sofre com a falta de leitos e medicamentos, especialmente o oxigênio; o que se vê é o colapso total, em que as pessoas são meros objetos imprestáveis
O que acontece em Manaus vai além do que se pode imaginar em matéria do descaso com pessoas que morrem vítimas da Covid-19. Muitos dos que morreram procuraram um lugar num canto dos corredores dos hospitais para deitar-se no chão e simplesmente esperar o fim da vida. Não existe nada. Nem leitos, nem medicamentos, especialmente o oxigênio. Como se chegou a essa barbaridade produzida pela falta de oxigênio? Por que falta oxigênio nos hospitais de Manaus? Afinal, como se chegou a esse estado de verdadeira barbárie? Quem é o responsável por tantas mortes e desmandos? Quem vai se responsabilizar por isso? O que significa a vida diante de tanta conversa e discurso? Nada significa nada. Manaus se transformou num inferno. Os doentes morrem, simplesmente morrem porque não há como socorrê-los. Chegou-se a tal desmando que morrer em casa ou diante do hospital esperando um leito virou a coisa mais normal do mundo. Só que esse mundo hediondo é aqui no Brasil, particularmente em Manaus, onde se perdeu o controle de tudo. Onde falta tudo. E as pessoas morrem por asfixia na falta de oxigênio.
Pode-se aceitar um quadro assim? Não, não pode. A dignidade não aceita. Nesta sexta-feira, 15, falando ao programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, o presidente Jair Bolsonaro disse que a situação em Manaus é terrível, mas que o governo federal fez a sua parte, informando que já deslocou para a capital do Amazonas um hospital de campanha para atender a população. E lembrou que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, esteve em Manaus há alguns dias e providenciou o oxigênio. Se de fato providenciou, ninguém sabe, ninguém viu. O que se vê é o caos total no sistema de saúde do Amazonas. O presidente foi chamado de facínora pelo governador João Doria e respondeu: “Me acusar de facínora e genocida é discurso de quem não tem discurso”. Afirmou que poderia estar participando mais ativamente contra o Covid-19, mas está proibido de fazê-lo por determinação do Supremo Tribunal Federal: “Tenho que resistir, mostrar o que é o Brasil e para onde estamos partindo, mas o peso que eu sofro é demais”, disse. Bolsonaro voltou a recomendar o uso do medicamento cloroquina e ivermectina como tratamento da doença, garantindo estar com a consciência tranquila. Observou, ainda, que medidas de isolamento social como o lockdown, causam trauma, e muito mais mortes do que a pandemia, por diversas razões. Seja lá o que for, o que se vê é o colapso total, em que as pessoas são meros objetos imprestáveis que podem ser descartáveis a qualquer momento.
Não há outra linguagem para descrever as cenas de Manaus. As indústrias da Zona Franca de Manaus pararam sua produção para destinar todo o oxigênio disponível para os hospitais, conforme explicou o Centro das Indústrias do Amazonas, informando que, já na semana passada, as empresas doaram um estoque de oxigênio para a saúde, somando mais de 40 mil metros cúbicos. Na quinta-feira, 14, o governo do Amazonas requisitou o estoque ou produção de oxigênio de 17 indústrias. O Centro das Indústrias adianta que as fábricas não têm mais oxigênio para doar. O problema do oxigênio também atingiu a Zona Franca, que praticamente parou com mais de 500 mil empregados. Ao mesmo tempo, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª. Vara Federal Cível do Amazonas, determinou que o governo federal transferisse os doentes graves da rede pública do Amazonas para hospitais de outros Estados.
Aviões da Força Aérea Brasileira já transferiram nesta sexta-feira, 15, doentes de Manaus para Teresina, São Luís, Natal, João Pessoa, Brasília e Goiânia. A juíza também determinou que o governo do Amazonas esclareça todos os problemas que fizeram Manaus mergulhar nessa escuridão com tantas mortes e pessoas abandonadas à própria sorte. Enquanto o governo do Amazonas não se explicar, caberá ao governo federal transferir os doentes graves da rede pública para outros Estados. O pedido de transferência foi feito numa ação do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Amazonas, do Ministério Público de Contas do Estado, da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Amazonas. O Amazonas tem solicitado apoio de outros estados para fornecimento de oxigênio, mas isso exige a responsabilidade do transporte, que só cabe à União. Apenas os aviões da FAB têm condições de transportar oxigênio líquido, pois é um produto altamente inflamável, difícil de ser transportado por aeronaves comerciais.
Já o governador do Amazonas, Wilson Lima, do PSC, afirma que os próximos dias em Manaus serão dramáticos e difíceis pelo caos total no sistema de saúde devido ao aumento assustador de pessoas infectadas pelo coronavírus e pela falta do oxigênio hospitalar. Ele nega que esteja arrependido por ter afrouxado as restrições impostas por ele próprio ao comércio no final do ano. No dia 23 de dezembro de 2020, o governador assinou decreto restringindo várias atividades econômicas para conter o avanço da doença. Afirma que recuou diante da pressão do empresariado e determinou a reabertura. Wilson Lima diz agora que “era preciso ouvir a voz das ruas” e determinou o toque de recolher na quinta-feira, 14. O maior pronto-socorro do Amazonas, o Hospital 28 de Agosto, parou de receber pacientes nesta sexta-feira, 15. Não há mais lugar para ninguém. As ambulâncias chegam com pessoas doentes e têm de sair à procura de outros hospitais. A superlotação também ajudou na falta de oxigênio, que passou a ser reduzido para os doentes, provocando protestos dos familiares revoltados com a medida. O Exército já montou um hospital de campanha junto ao Hospital Delphina Aziz, que é uma referência no tratamento da Covid-19, mas não dispõe de leitos para mais ninguém. Nesta sexta-feira, 15, o governo de São Paulo se comprometeu a cuidar dos bebês que nasçam em Manaus e que necessitem de cuidados médicos e especialmente oxigênio.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que o mundo tem de ter Manaus como exemplo do que pode acontecer quando a população não segue a orientação de evitar aglomerações. Na noite desta sexta-feira, 15, o Supremo Tribunal Federal deu ao ministro da Saúde o prazo de 48 horas para esclarecer o que aconteceu em Manaus e quais foram as razões que levaram a cidade a esse caos com tantas mortes e pessoas infectadas com o vírus. No final de tudo, eis o Brasil. Esse é o Brasil verdadeiro resumido na cidade de Manaus, que chora seus mortos, em que os médicos dizem que não sabem quem escolher para viver ou morrer. Um país que tem escrito na sua bandeira “Ordem e progresso”, mas, na verdade, não existe nem progresso nem ordem. O que existe é muito descaso e desprezo pela vida e um olhar distante daqueles que pensam estar acima de tudo.
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