Sabatina de Mendonça rendeu até elogios a Alcolumbre

Sessão na CCJ foi uma tarde de elogios e palavras de açúcar, sempre com um trecho da Bíblia

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 02/12/2021 11h12 - Atualizado em 02/12/2021 12h27
Marcos Oliveira/Agência Senado André Mendonça e Davi Alcolumbre durante sabatina André Mendonça foi sabatinado no Senado nesta quarta para a vaga de ministro do STF deixada por Marco Aurélio Mello

Quem ligasse a televisão de repente, pensaria que estava transmitindo de novo a CPI da Covid, até porque foi na mesma sala. As caras pareciam as mesmas. Aquelas indagações idem. Poucos certamente sabiam como transcorria uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça de um indicado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Quase ninguém. É uma balbúrdia mal dirigida. O indicado era o ex-Advogado Geral da União e ex-ministro da Justiça André Mendonça. A indicação partiu do presidente Jair Bolsonaro que, numa ocasião, faz tempo já, prometeu que indicaria para o STF uma pessoa “terrivelmente evangélica”. Certamente nunca se falou tanto em Deus no Brasil como nesta quarta-feira, 1, no Senado, que se transformou num tempo para  um culto de quase oito horas. Foram só elogios, embora Mendonça tenha amargado 9 votos contrários à sua indicação. A CCJ garantiu 18 votos favoráveis, mas esses 9 contra pesaram bastante. O governo esperava 21 votos favoráveis na Comissão. Não tinha erro: seriam 21 fotos a favor de André Mendonça. Mas alguma coisa não funcionou. Depois a votação foi para o plenário, onde Mendonça recebeu 47 votos favoráveis e 32 contra. Tornou-se o campeão de votos contrários da história do Senado. E naquele templo de tantos agrados e elogios, o Brasil se viu diante do quê? Afinal, para ser ministro do STF, precisa ser um religioso que não admite vida útil fora da religião? No caso, só a Bíblia. Não é à toa que o novo ministro do STF repetiu algumas vezes: “Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição”.

Foram horas daquela conversa principalmente sobre Deus e este colunista pede desculpas se esta afirmação possa, por ventura, ofender alguém. Não é sua intenção e nunca será. Mas não se pode transformar uma reunião daquela importância para a vida terrena brasileira num culto. E todos – absolutamente todos – tinham uma palavra que enaltecia a vida certamente sagrada de Mendonça, que também é pastor. Afinal, o que Mendonça usará nos julgamentos no STF, os seus conhecimentos da Constituição ou os ensinamentos religiosos que passa aos seus fiéis? A sessão durou oito horas, mas, segundo os entendidos nesses assuntos, foi tudo muito rápido. O indicado assegurou, por tudo que disse, ser um garantista, o que significa ser um defensor dos direitos da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, igualdade, segurança e propriedade. É bom explicar isso, porque muitos falam em garantista sem saber exatamente o que estão falando. Mendonça, parecendo na mesa uma pessoa frágil, pelo contrário, mostrou-se bastante forte, mas sempre com aquela conversa de muito agrado e poucas explicações e respostas concretas. Ele defendeu também a autonomia do Congresso Nacional para decidir sobre a prisão em 2ª instância e, meio trêmulo, chegou a apoiar o casamento gay, que deve ter deixado os evangélicos com os cabelos em pé. Mas o que é que o Mendonça poderia dizer nestes tempos em que quase tudo se transforma da noite para o dia?

O indicado de Bolsonaro também reforçou a defesa do estado laico e democrático. Quando ele disse “na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição”, Mendonça fez questão de explicar bem para não atrapalhar a cabeça de ninguém. Afinal, todos estavam lá para uma espécie de festa ou algo mais ou menos assim. Ninguém queria sair daquela sala do Senado com um grilo na cabeça. A frase que se tornará famosa significa que na Suprema Corte, Mendonça defenderá a laicidade estatal e a liberdade religiosa de todo cidadão. O novo ministro do STF elogiou de maneira especialmente melada de carinho até o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, que segurou a sabatina por quatro meses na esperança de que o presidente Bolsonaro indicasse outro nome. Tudo isso foi esquecido naquele momento de tanto amor, dedicação e despojamento. Conforme disse Mendonça, toda aquela harmonia se devia ao trabalho de Alcolumbre. É demais! Garantiu que sua religião não vai interferir nas decisões que tomará no STF. Tentou deixar isso bem claro para todos.

Mendonça também disse outra frase que será muito comentada, tendo por base o que afirmou o astronauta Neil Armstrong, em julho de 1969, quando se tornou o primeiro homem a pisar na Lua: “Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade”. Já o novo ministro do STF afirmou: “Um passo para um homem, um salto para os evangélicos”. O que será que André Mendonça quis dizer com isso? Trata-se de uma frase para muitas interpretações. É algo meio separatista. Uma frase bem elaborada, mas não caiu bem naquele momento. Não caiu mesmo. Muito pelo contrário. Foram tantas promessas, que Mendonça não conseguirá cumprir tudo nos 30 anos de trabalho que terá pela frente. A sessão durou oito horas, grande parte desse tempo de palavras amigas e cumprimentos à família, à mulher, ao filhinho, à tia, ao tio, à avó, avô, ao vizinho, ao cachorro e tudo mais que caiba numa declaração de amor. Foi uma tarde de elogios, palavras de açúcar, afagos, carinhos e sempre uma palavra da Bíblia, às vezes um provérbio. O Brasil se transformou num templo. Mas parecia a CPI. Concluindo, o novo ministro do STF André Mendonça tomará posse no dia 16 próximo. No dia 17 ele sai de férias.

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