Vacina contra a Covid-19 passou a ser um troféu cobiçado por forças políticas antagônicas
Legalmente, um imunizante só vai existir para o Brasil quando estiver registrado na Anvisa; nesta quinta-feira, 19, o governo de São Paulo recebeu o primeiro lote da CoronaVac, do laboratório chinês Sinovac
Quando o avião que trazia as 120 mil doses da vacina chinesa aterrissou no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, iniciava-se, nesse exato momento, a guerra brasileira da vacina. O governador de São Paulo, João Doria, estava lá esperando o lote das vacinas CoronaVac, produzidas pela empresa chinesa Sinovac, testada e desenvolvida pelo Instituto Butantan, do governo paulista. Tudo que o presidente Jair Bolsonaro não queria. A vacina da China está em teste final. Caso comprove sua eficácia, a vacina poderá ser autorizada para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. O lote que chegou nesta quinta-feira, 19, faz parte do acordo firmando entre o governo de João Dória e a farmacêutica chinesa. Se for aprovada, São Paulo receberá mais 6 milhões de doses. E na semana que vem, chegarão os insumos da China para a produção da vacina no Brasil. Convém lembrar que o Instituto Butantan tem capacidade para produzir 2 milhões de doses por dia.
Parece ser tudo civilizado, mas não é. E a guerra? A guerra começou com uma frase de João Dória, no aeroporto: “Emocionante acompanhar a chegada ao Brasil das primeiras doses da vacina do Butantan”. Bolsonaro deve ter tremido nas bases. O primeiro acordo de São Paulo com a empresa chinesa previa a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, com o aval do ministro-general da Saúde, Eduardo Pazuello. Mas a compra foi anulada pelo presidente Bolsonaro, desmoralizando publicamente seu ministro. Bolsonaro afirmou, na ocasião: “Quem manda sou eu!” E numa live, Bolsonaro dirigiu-se a João Doria dizendo: “Quer a vacina chinesa, compre com seu dinheiro, não com dinheiro federal!” Esse é o tom. E a vacina passou a chamar-se “a vacina chinesa do Doria”. Não precisa ser nenhum adivinho nem ter bola de cristal para saber que a questão da vacina ou vacinas a ser utilizadas no Brasil representará mais um inferno para a população. Por qual motivo? O motivo é que, além da doença, a vacina salvadora está politizada. Todo lance nessa área é político. O que vale é a política. A saúde do povo fica num segundo plano.
As duas primeiras vacinas contra a Covid-19 que anunciaram resultados promissores para o mundo usam a mesma tecnologia: o ácido ribonucleico (RNA). São as vacinas das empresas norte-americanas Pfizer e Moderna, com mais de 90% de eficácia em seus testes. Os números dessas duas vacinas impressionam mesmo, mas é preciso dizer que foram testadas num tempo muito curto. Significa que não se tem muita certeza real sobre sua eficiência. Some-se a isso, a vacina da Universidade de Oxford, que as autoridades científicas afirmam ser segura para os idosos, conforme observa estudo publicado na revista científica “The Lancet”, uma das mais conceituadas do mundo. A vacina de Oxford está sendo testada em humanos em vários países, inclusive no Brasil. É produzida em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, com acompanhamento da Fundação Oswaldo Cruz, do Brasil. Nos testes, a vacina de Oxford já está na fase 3. O governo federal anunciou um investimento de R$ 1,9 bilhão para a produção de 100 milhões de doses. A Fiocruz já anunciou um cronograma de produção e distribuição do imunizante.
Já a Pfizer, conjuntamente com o laboratório alemão BioNTech, adianta que já fez proposta ao governo brasileiro, o que permitiria vacinar “alguns milhões de pessoas”, já no primeiro semestre de 2021. A questão está nas mãos da Anvisa, que ainda não se manifestou. Mas a própria Anvisa diz estar empenhada em aprovar medidas para acelerar registros de vacinas contra a Covid-19 no Brasil. Mas tudo isso fica numa conversa que não tem fim. Ninguém informa certo o que tem de ser informado e o que a população tem direito de saber. Atualmente, o Brasil mantém parceria para a produção de três vacinas: A ChAdOS-1, desenvolvida pela AstraZeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz; a CoronaVac, chinesa, que tem acordo com o governo de São Paulo, em parceria com o Instituto Butantan; e a russa Sputinik V, que tem acordo com o governo do Paraná.
Fora isso, o Brasil fechou acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS – para receber 42 milhões de doses de uma vacina dentro da iniciativa chamada Covax Facility, mas não definida ainda qual será a empresa fornecedora. Lembre-se ainda a vacina da farmacêutica Janssen-Cilag, unidade da Johnson & Johnson, que é também estudada clinicamente no Brasil, mas suspendeu os testes devido a um efeito adverso em um voluntário. Nesta quinta-feira, 19, o Ministério da Saúde informou que vem realizando reuniões com cinco laboratórios de vacinas contra a Covid-19, para analisar possíveis aquisições. Os fabricantes que estão conversando com o governo brasileiro são: Pfizer/BionTech (EUA-Alemanha), Janssen – (EUA), Instituto de Pesquisa Gamaleya – (Rússia), Moderna – (EUA) e Covaxin – (Índia). Para qualquer negociação com essas vacinas, o Brasil levará em conta a segurança, eficácia, produção em escala, oferta em tempo oportuno, preço acessível, condições logísticas favoráveis e o registro. O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, observa que a aquisição de qualquer vacina só pode ocorrer de acordo com a legislação brasileira.
O Brasil só pode comprar o que existe. Legalmente, uma vacina só vai existir para o Brasil quando estiver registrada na Anvisa. Quer dizer: o que não falta é munição. O jogo está sendo jogado. A guerra da vacina promete muitos golpes baixos. Politizada como está, a vacina passou a ser um troféu cobiçado por forças políticas antagônicas. É, também, a guerra do ódio. O inferno da doença já existe. O inferno da vacina vai começar agora.
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