Bolsonaro que se cuide: o criativo TSE já abriu um precedente para impedi-lo de disputar as eleições
A cassação do deputado estadual Francischini por parte da Justiça Eleitoral pode fundamentar um eventual processo contra o atual presidente da República
Na última semana, o TSE arquivou ação pedindo cassação da chapa Mourão-Bolsonaro por “disparos ilegais em massa de mensagens nas eleições de 2018”, suspeita nascida da incrivelmente eficaz campanha informal pró-Bolsonaro feita por milhares de brasileiros em grupos privados de WhatsApp e agremiações do gênero. No universo da política profissional brasileira, educada pela máxima de Saul Alinsky (“recompense aquele que trabalha pela revolução”), o fato de pessoas comuns se empenharem de graça numa campanha causou estranhamento demais. Mas o presidente continua na mira do tribunal, segundo afirmou o ministro do STJ Luis Felipe Salomão, em entrevista concedida à Globonews na noite da última quarta-feira, 3. Diz o ex-corregedor do TSE – o adorável e justíssimo magistrado, responsável pela desmonetização de canais do YouTube envolvidos no (deplorável) crime de expressar publicamente um ceticismo indevido quanto à possibilidade de fraudes nas (absolutamente perfeitas) urnas eletrônicas criadas na década de 90 e carentes de revisão técnica – que Jair Bolsonaro pode ser considerado inelegível em 2022, e até mesmo ter seu registro cassado, se for reeleito presidente.
Isso mesmo. Ainda segundo este impecável praticante da Justiça, o presidente está incluído num inquérito aberto por unanimidade na Corte, em agosto deste ano, em virtude de seus ataques indesculpáveis ao sistema eleitoral brasileiro. É evidente que, no vocabulário educado do magistrado prudente, a expressão “ataques contra o sistema eleitoral brasileiro” tem significado peculiar. Uma mente simplória poderia julgar que significasse atear fogo nas instalações do TSE; mandar trocar as fechaduras de todos os TREs Brasil afora; demitir em massa todos os servidores envolvidos na administração das eleições e condená-los à forca; sequestrar as urnas maravilhosas (da década da internet discada) para submetê-las a tomatadas em praça pública; usar urnas velhas como mira em clubes de tiros, e outros gestos mal-educados.
Não é disso que se trata, evidentemente. O presidente ousou levantar suspeitas sobre a perfeição do sistema. E isso, evidentemente, deve ser punido com o impedimento absoluto, de um modo ou de outro, de um eventual segundo mandato – mesmo porque nunca se sabe quando Paulo Guedes há de cismar novamente com a esdrúxula ideia de cortes de gastos, austeridade fiscal, redução da máquina pública e, vá lá saber, redução dos privilégios, quer dizer, direitos adquiridos, do Judiciário. Sem indícios de ter cometido algum crime tipificado no código penal, Bolsonaro obriga a lei a criar novos, a fim de não ser obrigada a suportar a vontade do povo falar mais alto outra vez. Onde já se viu acatar resultados de eleições, quando o presidente eleito insiste em desconfiar da transparência do processo eleitoral?
No final das contas, parece que está finalmente explicada a recente cassação dos votos do deputado estadual Francischini: o tribunal precisava de um precedente para fundamentar uma conveniente decisão futura. Sofisticado, prudente e inédito, do ponto de vista legal. A criatividade de nossos tribunais é cada vez mais espantosa. Bolsonaro que se cuide. Se ele, o paraquedista, tinha um plano B caso a PEC dos Precatórios não fosse aprovada, nossos magistrados parecem ter todo um alfabeto para mantê-lo longe da cadeira presidencial.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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