Não dá mais para menosprezar os riscos inflacionários

Questão não pode ser vista como passageira, principalmente no Brasil, onde os embates políticos têm ampliado as dificuldades já reforçadas pela pandemia e por equívocos da área econômica

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 24/08/2021 15h47 - Atualizado em 24/08/2021 18h32
Luciano Claudino/Código 19/Estadão Conteúdo - 16/07/2021 Mulher olha para parede de açouge em que cartazes com os preços das carnes estão fixados Com a alta da inflação e o dólar pressionado, preços dos alimentos aumentaram; segundo a FGV, cesta de 10 itens do “prato feito” sofreu uma variação de 22,57% no acumulado em 12 meses até julho deste ano

A inflação, como já argumentou o ministro Paulo Guedes, é um problema global que veio muito do aumento de preços de commodities no exterior e de um desequilíbrio entre a oferta e demanda de insumos para a área industrial, relacionado à pandemia e a questões mais específicas, como a falta de chips. A recuperação mais rápida de grandes economias, como China e Estados Unidos, reforçou essas pressões. Além disso, houve choques de alimentos, e no Brasil, em particular, vários preços sobem mais com o dólar pressionado. Ainda tem a crise hídrica e de energia, que levam ao aumento de tarifas. Mas, independentemente das justificativas, fica a preocupação quanto ao impacto que essa inflação, tida como normal, pode ter sobre o andamento da economia, e se há como os conter repasses, a indexação, a inflação realimentando a inflação, até pela retomada da atividade.

Temos visto muitas piadas nas redes sociais quanto às dificuldades que a população enfrenta nas compras do dia a dia com a disparada dos preços dos alimentos, como a carne, e dos combustíveis. Mas a graça para nos memes. Na realidade, essa situação se torna mais grave diante de outras consequências da pandemia, como o desemprego e o aumento da pobreza. Cresceu muito o percentual da população que passa fome, que não tem recursos para comprar o básico, apesar dos programas sociais. Até para quem está empregado a situação está bem mais difícil com os reajustes de produtos de consumo básico. Mesmo reduzindo o máximo possível o consumo desses produtos ou serviços, sobra menos para outros gastos, o que pode frear o ritmo da demanda, com reflexos sobre o andamento da economia em geral. A inflação mais alta também tem levado o Banco Central a acelerar a elevação dos juros básicos, encarecendo o custo do crédito, que também joga contra o consumo e a aceleração da atividade.

Nesse contexto, fica a dúvida quanto à eficácia da política de juros para conter o avanço da inflação e até onde eles teriam que subir para fazer com que houvesse o retorno de um patamar compatível com a meta em 2022, já que este ano está perdido com projeções acima de 7%, que superam muito o teto de 5,25%. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) acaba de elevar a projeção do IPCA de 2021 para 7,1% em linha com a projeção mais recente do mercado que, de acordo com o relatório Focus, do BC, está em 7,11%. Mas, no mercado, já há quem fale em até 8% diante de novas pressões, como a perda de safras agrícolas por fatores climáticos e possível novo aumento da energia, sem esquecer das recomposições de margens de alguns setores, especialmente os mais prejudicados por aumentos de custos ou restrições de atividade, como indústria, construção e serviços.

Retomando a questão dos juros, por enquanto, a expectativa média do mercado é que a Selic chegue a 7,5% neste ano. Mas o Banco Central já indicou que não tem mais compromisso em manter a taxa básica no nível considerado neutro. Isso significa que a Selic pode subir para um patamar acima da inflação, mesmo que tenha algum impacto contracionista sobre a atividade. Na curva de juros praticada pelo mercado, as taxas já chegaram a dois dígitos. Afinal, também é preciso considerar os efeitos do cenário político e das incertezas fiscais relacionadas às eleições de 2022. O clima de incertezas no Brasil pode trazer, ainda, mais pressões sobre o dólar, aumentando os riscos de altas de preços, assim como as dúvidas, que já citei, quanto à eficácia da política de juros para frear a onda inflacionária. Sem confiança nos efeitos da alta da Selic e sem a convergência das projeções para a meta, há menos inibição dos reajustes e mais pressões sobre o câmbio e a curva de juros.

Enfim, mesmo que a inflação seja um problema global, já não dá mais para tratar como uma questão passageira, principalmente em um país com vulnerabilidades como o Brasil, onde os embates políticos têm ampliado as dificuldades já reforçadas pela pandemia e até por equívocos da política econômica. Não são poucos os analistas que relacionam o avanço da inflação a uma certa leniência do Banco Central, que testou pisos para a taxa básica, menosprezando os riscos potenciais de aumento das pressões inflacionárias, diante da retomada da atividade, sem esquecer de recentes medidas, vindas da área econômica, que geraram muita desconfiança quanto ao compromisso fiscal. As indicações são de que a inflação pode dar trabalho para retornar para uma trajetória compatível com a meta. Em tempo, o Ipea prevê a inflação de 2022 em 4,1%, com o centro em 3,5%. É por todo esse cenário que entramos em uma fase de revisão, para pior, também das projeções de crescimento da economia. Nada muito expressivo, mas que acende a luz amarela.

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