Fernanda Consorte: Para que tanta animação com as vendas do varejo?

Comemorar a alta de maio é quase igual a bater em morto, e a prova cabal é que o comércio amargou queda de 7% em relação ao mesmo mês de 2019

  • Por Fernanda Consorte*
  • 09/07/2020 09h00 - Atualizado em 21/07/2020 18h29
ROBERTO GARDINALLI/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Gigantes varejistas afirmam falam em demissões em massa caso governo não reedite novo programa de auxílio Comércio fechado na cidade de Limeira (SP), por causa da pandemia do novo coronavírus

Em meio à pior crise da história moderna, a Bolsa de Valores chegou a quase 100 mil pontos no pregão desta quarta-feira, 8. O incômodo se dá pelo fato de que a Bolsa é o conjunto do resultado de empresas, que por consequência, é o reflexo do que ocorre na atividade econômica do país. E, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central do Brasil, o mercado espera queda no PIB de cerca de 6,5% neste ano – ainda acho que será bem maior –, com uma recuperação tímida de cerca de 3% em 2021. Se por um lado o mercado antecipa movimentos, ele também pode errar tendência, e o tombo pode ser grande. O entusiasmo do pregão desta quarta parece ter se dado pelo crescimento de quase 14% das vendas varejistas em maio sobre abril – variação, de fato, maior que a prevista pelos modelos dos economistas de mercado. Mas notem, esse resultado ocorre após um abril desastroso (-16%) e de um março mostrando que o mar não estava para peixe (-2,8%).

Assim, comemorar uma alta dessa é quase igual a bater em morto. E a prova cabal é que o varejo amargou queda de 7% ante maio de 2019. Olhando o indicador ampliado, que incluem vendas de veículos e material de construção, a queda é de 8,6%. E vejam que tudo isso em cima de um patamar bastante modesto que caminhava a atividade econômica em 2019 – lembrem-se que estamos crescendo pré crise a uma taxa pífia de cerca 1% ao ano. Ou seja, nada a comemorar.

O mercado já precificou uma recessão neste ano, e tudo bem, dado o cenário pandêmico atípico. Entretanto, muitas vezes me pergunto, se o que talvez não esteja nos preços é o tamanho da recessão e, mais, que talvez a recuperação deixe um pouco a desejar. Por um lado, os dados vêm mesmo apontando que o pior ficou para trás e o fundo do poço foi atingindo em abril, no auge do confinamento social. Mas ainda é possível perceber que a confiança dos agentes, seja do consumidor, seja do empregador, segue muito abalada e em patamares extremamente baixos.

E daí, já me lanço da máxima: enquanto não houver confiança, não haverá retomada – e, cá entre nós, viveremos algum período com as consequências dessa pandemia do coronavírus em nossa economia, mesmo porque nem parece que ela acabou por aqui, certo? E, quando falo retomada, não falo daquela de “fogo de palha”, do “voo de galinha”, falo daquela estrutural, daquela que parece que a Bolsa parece estar precificando. Por fim, alguém tem que ceder: ou os dados vão na direção do mercado, ou o mercado vai na direção dos dados. A ver.

*Fernanda Consorte é economista-chefe do Banco Ourinvest e estreia nesta semana a sua coluna na Jovem Pan.

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