Precisamos mesmo de prefeitos ou podemos trocar eles por empresas de serviços públicos?
Com a atual decepção com o Estado, qualquer proposta de inovação disruptiva de um sistema que garanta mais poder aos cidadãos, em vez de pagar impostos para um prefeito, merece atenção
Dependendo de onde você estiver nos Emirados Árabes, pode entrar em cidades sem prefeitos, que pertencem a empresas e são administradas por elas. Têm suas próprias leis econômicas e tributárias, seu próprio idioma (o inglês) e um sistema jurídico baseado no direito comum britânico, que contrata juízes de todo o mundo. Os Emirados Árabes têm duas pequenas áreas assim: o Centro Financeiro Internacional de Dubai e o Mercado Global de Abu Dhabi. Passamos as últimas semanas discutindo qual o melhor (ou o menos pior) candidato a prefeito. Talvez a melhor questão seja: precisamos mesmo de prefeitos? Não seria melhor abandonar todo esse sistema e optar por decisões mais descentralizadas, pela contratação direta pelos cidadãos de empresas de serviços públicos? Motivos para se irritar com o sistema atual não faltam. Fechamos um acordo com uma parte (a prefeitura) que costuma mudar unilateralmente as cláusulas do contrato. Toma o dinheiro dos cidadãos e em troca oferece serviços vergonhosos. Aumenta o preço dos seus serviços quando precisa. Elites do funcionalismo capturam o dinheiro que deveria ajudar os pobres. E os vereadores, como ficou provado nos últimos anos, proíbem inovações e empresas só para proteger os privilégios de grupos de interesse.
Paul Romer, vencedor do Nobel de Economia de 2018, roda o mundo divulgando a ideia das “charter cities”: cidades autônomas, com poder para criar e mudar suas próprias regras, governadas por sociedades de países e empresas, construídas em territórios inabitados de algum país-hóspede. Sonhático demais? Bem, já existem diversas assim. Na cidade de Suzhou, por exemplo, uma área de 80 quilômetros quadrados é administrada por uma joint-venture entre Cingapura e China – que planeja modelos semelhantes na África. O imenso crescimento econômico chinês das últimas décadas se concentrou nessas zonas econômicas especiais do sul do país. Se você tem um iPhone, ele provavelmente veio de Shenzhen, uma das áreas onde o Partido Comunista deixa haver livre mercado com incentivos ao comércio exterior. A proposta de Romer vai um degrau acima, com autonomia para as cidades decidirem suas próprias regras ou sistema jurídico. Segundo ele, uma grande vantagem dessas cidades seria criar um ambiente de inovação institucional. É mais fácil mudar e comparar regras no nível de cidades que em países inteiros.
Outro defensor radical das cidades privadas é Titus Gebel. “Imagine um sistema no qual uma empresa privada como um ‘provedor de serviços governamentais’ ofereça proteção da vida, liberdade e propriedade”, diz ele no livro “Free Private Cities” (com este título na edição brasileira). “Esse serviço inclui segurança interna e externa, uma estrutura legal e regulamentar e resolução de disputas independente. Você paga uma quantia contratualmente fixa por ano por esses serviços.” O que garantiria a eficiência dessa empresa? A concorrência com outras cidades privadas. É difícil, se é que é possível, fazer algo assim numa cidade com milhões de habitantes. Nem todos eles optariam por viver numa cidade privada ou vender sua propriedade para uma empresa. Mais fácil seria criar um sistema de concorrência entre fornecedores de serviços públicos. Um sistema que garanta mais poder para que os cidadãos, em vez de pagar impostos para um prefeito, escolham quem querem contratar para realizar serviços públicos. A decepção com o Estado atual é tão grande que qualquer proposta de inovação disruptiva merece atenção.
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