Vote em candidatos que prometem extinguir (e não criar) leis municipais
Precisamos de vereadores que avancem contra a epidemia de leis municipais e só tenham piedade com as mais relevantes
Um princípio elementar do direito é que o cidadão não pode alegar desconhecimento de uma lei. Não pode dizer “eu não sabia que isso era proibido”. Mas como é possível conhecer todas as leis que somos obrigados a obedecer dado que só as cidades têm milhares delas, com dezenas ou centenas de artigos, além de decretos, resoluções, emendas, portarias, regras tributárias e urbanísticas? O Brasil tem mais de 6 milhões de leis municipais publicadas. Mas muitos candidatos a vereador acham pouco – e prometem criar outras se forem eleitos.
“É preciso criar uma lei para…” Essa frase resume a fúria legiferante, a crença de que leis são capazes de resolver os problemas do mundo. Como se fossem palavras mágicas (“abracadabra!”), elas teriam o poder de espantar os males e criar felicidade. Para acabar com a pobreza, basta impor uma lei proibindo empregos ruins. Para preservar o meio ambiente, é só publicar, em tom solene: “está proibido destruir o meio ambiente!”. A Constituição de 1988 é o cúmulo dessa crença. Ela basicamente proíbe tudo de ruim e torna obrigatório tudo de bom: felicidade, dignidade, educação, saúde, trabalho e até um “meio ambiente equilibrado”.
Que bom seria viver no mundo onde leis fossem essa panaceia. No mundo real, onde não há mágica, elas frequentemente agravam o problema que deveriam resolver. Normas trabalhistas tornam contratações caras, causando desemprego. Regulamentações exigentes demais tiram pequenos empresários do páreo, beneficiando grandes empresas. Leis ambientais impedem a ocupação regular de áreas que depois são ocupadas por favelas. Em São Paulo, leis proíbem cardápios com pratos em idiomas estrangeiros, empinar pipa na rua, ter um javali em casa, comer na rua cachorro-quente com molho. Outras dezesseis leis obrigam estabelecimentos comerciais a fixar na parede avisos como “Procon disque 151” e “Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”. Se um sujeito, obcecado em andar na linha, decidir ficar a par de todas as leis municipais, estaduais e federais, passará a vida inteira lendo textos legislativos. Anos atrás, me chamaram para falar num congresso de direito tributário – ali notei que nem mesmo os fiscais da Receita conhecem todas as leis cujo cumprimento eles devem fiscalizar. Uma amiga contou que também é assim na fiscalização ambiental. Sim, é preciso “passar a boiada” e mudar diversos regramentos.
A infestação de leis não deve diminuir tão cedo, pois todo dia novas delas aparecem. Amigos deputados me dizem que o sonho de todo parlamentar é ter uma lei para chamar de sua. A Câmara do Distrito Federal bancou anos atrás anúncios em Brasília comemorando: “Este ano criamos mais de 800 leis”. Como se criar leis por si só fosse uma boa notícia. Precisamos de vereadores com um espírito contrário: um espírito destruidor. Que avancem contra a epidemia de leis municipais e só tenham piedade com as mais relevantes (que não devem passar de meia dúzia).
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