Será que estamos maduros para sermos uma sociedade da informação?
Episódios recentes, como a suspensão de Trump do Twitter e a invasão do Capitólio, comprovam o descompasso do Direito com o avanço tecnológico e social, criando um verdadeiro buraco negro que, na ausência de regulamentação, suga todos
O escritor Joseph Epstein, já criticado por opiniões homofóbicas na década de 70 e machistas nas décadas de 80 e 90 questionou recentemente a titulação acadêmica – Doutorado – da primeira-dama norte americana, Jill Biden, em artigo publicado no The Wall Street Journal. Na linha do agora ‘americano’ Olavo de Carvalho, que se autointitula Filósofo e, dentre outros feitos, questionou a teoria da relatividade, os trabalhos de Isaac Newton, Giordano Bruno e Galileu, o escritor americano se vangloria de ter lecionado na Northwestern University por 30 anos sem um doutorado ou pós graduação e inicia seu texto de forma leviana e em certa medida chocante: “Senhora Primeira-Dama – Sra. Biden – Jill – mocinha: um conselho sobre o que pode parecer um assunto pequeno, mas acho que não é sem importância. Há alguma chance de você abandonar o ‘Dra.’ antes do seu nome? ‘Dra. Jill Biden’ soa e parece fraudulento, inobstante o cômico”.
O absurdo da colocação vigorosamente condenável apenas demonstra o espaço que ‘formadores de opinião’ de redes sociais conquistaram, com opiniões sem respaldo científico e muitas vezes criticando a própria academia (como no kafkiano artigo de Epstein aqui referido). Os mesmos motivos justificam eleições de governantes extremistas por discursos regados a ódio e negacionismo, que insuflam aqueles que escamoteavam a ojeriza por minorias, e veem em tais opiniões um eco de seus sórdidos pensamentos escondidos. Inúmeros são os exemplos, sendo o mais atual a invasão do Capitólio decorrente de um discurso inflamador e postagens de incentivo do atabalhoado chefe do Executivo norte-americano. Reprova-se tais comentários e pensamentos extremistas, mas vivemos em Democracia, e a forma de silenciar os que vociferam opiniões diversas não pode ser também autoritária.
Daí advém um banimento ainda carente de regulamentação, posto que as redes sociais, que traduzem hoje verdadeiros palanques – apesar de desempenharem um papel público – são organizações privadas. No contexto, e no calor dos acontecimentos, silenciar o presidente americano parece justificável, mas o peso do remédio utilizado – censura (?) – também não pode ser aplaudido sem um olhar crítico. Chefes de Estado se posicionaram contra a ação do Twitter, tais como a chanceler alemã Angela Merkel e o Ministro da economia francês Bruno Le Maire, que se disse “chocado’ com o banimento, e ainda registrou: “a regulação digital não deve ser feita pela própria oligarquia digital… a regulamentação da arena digital é uma questão para o povo soberano, governos e judiciário.” .
Chama atenção que esse cenário se descortine no mesmo período em que o Whatsapp atualizou sua política de dados – em frontal desobediência à brasileira LGPD, e com exceção da União Europeia e Reino Unido, que detêm rígidos acordos de com organizações de proteção de dados. A questão viralizou por conta de reportagens indicando o compartilhamento de dados de usuários como o Facebook, e a empresa reagiu ressaltando que a atualização da política não afetará a privacidade das mensagens. Há uma interligação sistêmica entre os fatos abordados – perniciosa crítica à titulação da primeira dama americana, negacionismo, formadores de opinião de redes sociais, extremistas eleitos (legitimamente?), invasão do Capitólio, banimento do Trump do Twitter, novas regras do Whatsapp –, que comprovam o descompasso do Direito com o avanço tecnológico e social, criando um verdadeiro buraco negro que, na ausência de regulamentação, suga todos os que permanecem acríticos ante a tais transformações. Seremos democrática, social e culturalmente capaz de lidar com as novas ferramentas tecnológicas? A nossa sociedade está madura para ser uma sociedade da informação?
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