Cineasta respeitado pelos membros do Oscar, ‘Babenco’ pode sensibilizar Academia e ajudar o Brasil a levar estatueta
Filme, porém, esbarra numa situação complicada e conflituosa: a diretora Bárbara Paz, por mais que tente, está no limite entre a arte reflexiva e a exploração sentimental e piegas
A Academia Brasileira de Cinema escolheu, nesta semana, o longa-metragem “Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” para representar o país na disputa por uma vaga na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Internacional (que até 2019 era mais conhecido como Melhor Filme Estrangeiro). Trata-se de um documentário. Desde 1957, quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas criou a categoria, esta é a primeira vez que o Brasil (ou qualquer país) indica uma produção do gênero para a competição. Isso tem um grande significado, mas, infelizmente, resvala num resultado um tanto improvável. Isso porque, e não por acaso, o Oscar possui uma categoria distinta para produções documentais. Dessa forma, a explicação mais razoável para a escolha do filme é uma circunstância oportuna: no ano passado, o brasileiro “Democracia em Vertigem” concorreu na categoria de documentários. Devem ter imaginado: “vamos tentar outra vez; vai que cola”!
Mas ok, improvável não significa impossível. “Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, como o título anuncia, fala sobre o cineasta Hector Babenco, morto em 2016 após perder uma batalha contra o câncer. Ele tinha um nome conhecido internacionalmente e que marcou presença na Academia americana. Em 1986, concorreu ao Oscar de melhor direção por “O Beijo da Mulher Aranha”. A produção, além de ter sido indicada nas categorias de melhor filme e roteiro, garantiu a estatueta de melhor ator para William Hurt. Em 1988, com “Ironweed”, Babenco conseguiu indicações para sua dupla de protagonistas, Jack Nicholson e Meryl Streep. O diretor, portanto, possuía um currículo de respeito entre os membros do Oscar. E o fato de o documentário apresentar algumas de suas obras mais importantes, de forma geral, e mergulhar em seus últimos momentos de vida, em especial, certamente pode contribuir para deixar os acadêmicos sensibilizados.
“Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” é dirigido por Bárbara Paz, um talento nos palcos, na TV e no cinema, mas que precisou de muito trabalho para convencer os críticos mais céticos. Bárbara esteve casada com Hector Babenco por seis anos, tempo suficiente para uma imersão na mente e na alma do homem e do cineasta. Convenhamos, é uma tarefa das mais árduas, já que estamos falando de um artista, e muita coisa se mistura. Sobretudo os sentimentos e a complexidade da própria existência. Babenco nasceu na Argentina e naturalizou-se brasileiro. Por ter passado mais tempo no Brasil, vivenciou no país grandes experiências que se transformaram em impactantes obras audiovisuais: “Lucio Flávio, O Passageiro da Agonia”, “Pixote, A Lei do Mais Fraco” e “Carandiru”. Talvez Babenco fosse, no final das contas, um tanto mais brasileiro. Mas essa é uma dúvida – e possivelmente um dilema – que somente ele poderia eliminar. No documentário, o cineasta explica que os brasileiros achavam que ele era argentino; os argentinos diziam que ele era brasileiro.
Até aqui, temos a obra e o cineasta expostos no documentário de Bárbara Paz. A atriz e diretora, aliás, foi praticamente presenteada com o filme. A ideia do projeto, em sua gênese, surgiu na cabeça de Babenco e em seu próprio desejo de um filme-testamento. Apaixonado e igualmente diante da impossibilidade de seguir dirigindo, deixou tudo nas mãos de Bárbara – inexperiente e carente de conhecimentos técnicos. Em dado momento do doc, o cineasta chega a explicar à jovem diretora o conceito de foco! Evidente que se trata de um importante aspecto técnico, mas percebe-se também que vai se revelando a preocupação do homem Babenco do ponto de vista filosófico narcisístico, ainda que na iminência da morte. Sócrates, sobre a morte, dizia que “antes de vivermos nesse mundo, nossa alma vivia no mundo das verdades eternas, cultivando a prática do bem e do belo”.
E é nesse ponto que “Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” esbarra numa situação complicada e conflituosa. Bárbara Paz, por mais que tente, está sempre no limite entre a arte reflexiva e a exploração sentimental e piegas. É um caminho perigoso. Ademais, de certa forma já experimentado e com resultado não muito agradável. Em 1980, o diretor alemão Wim Wenders assinou o documentário “Um Filme para Nick”. O pano de fundo era a discussão dos dois diretores sobre um filme que contaria a história de um pintor à beira da morte que viaja à China em busca de uma cura. Ocorre que um deles era o cineasta americano Nicholas Ray, que à época tentava se curar de um câncer. Wim Wenders, assim como Bárbara Paz fez com Babenco, acabou por acompanhar os últimos instantes de vida daquele homem. Tudo de forma consentida, explícita, comovente, mas absurdamente desconfortável.
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