‘Os 7 de Chicago’ dramatiza um dos episódios mais polêmicos da corrida presidencial americana
Dirigido e roteirizado por Aaron Sorkin, filme nos leva a refletir sobre os meandros da política praticada ainda hoje e também sobre as manifestações violentas por todo o mundo
Não é mera coincidência que “Os 7 de Chicago”, novo filme da Netflix, esteja sendo lançado neste momento. O mundo acompanha atento às eleições norte-americanas, em que temos de um lado o republicano Donald Trump em busca da reeleição, e do outro o democrata Joe Biden, que anteriormente foi vice-presidente no governo Barack Obama. No centro dessa disputa acirrada surgem acusações, denúncias e escândalos que movimentam os bastidores da política e cujos resultados, muitos apostam, têm o poder avassalador de colocar em jogo a própria democracia. Descobrir se estamos diante de um fato ou fake é a pergunta que reside em todos e que movimenta tanto o universo investigativo (a imprensa) quanto o da aplicação das Leis (a Justiça). À margem disso tudo, temos a população em dúvida e, muitas vezes, indignada a ponto de sair às ruas – simplesmente para protestar ou, no pior dos cenários, para provocar o caos e a violência quando em choque com as autoridades policiais. E, como sempre acontece na maior parte das vezes, é apenas nesse capítulo dos conflitos envolvendo policiais e cidadãos que há urgência em se buscar os culpados.
Esse não é o único, mas certamente é um dos principais elementos para o desenvolvimento narrativo de “Os 7 de Chicago”, uma produção tecnicamente impecável na reconstituição de época e, para todos os efeitos, bastante cuidadosa em termos históricos. Com roteiro e direção assinados por Aaron Sorkin, o filme dramatiza um dos episódios mais polêmicos durante a corrida presidencial americana no ano de 1968. Dois candidatos estavam debaixo dos holofotes da mídia: o republicano Richard Nixon e o democrata Hubert Humphrey. Este estaria presente em Chicago, local que abrigaria a Convenção Nacional Democrata para validar a candidatura de Humphrey à presidência.
É bom lembrar que 1968 foi um ano conturbado no cenário político americano. Martin Luther King Jr., líder dos direitos civis, havia sido assassinado, e tal fato foi o prelúdio para uma sucessão de violentos distúrbios raciais; eleitores ainda buscavam respostas para o assassinato de outro candidato a presidente, Robert F. Kennedy; e, por todos os cantos do país, famílias americanas não hesitavam em bradar insatisfação contra a Guerra do Vietnã, promovendo manifestações que invariavelmente resultavam em enfrentamentos violentos e muitas vezes letais entre a polícia e populares.
Foi justamente na Convenção Democrata daquele 1968 que surgiram os tais sete de Chicago a que o filme de Aaron Sorkin se refere. Aliás, quem assistiu a “A Rede Social”, que descreve a criação e fundação do Facebook por Mark Zuckerberg, logo irá reconhecer o estilo de Sorkin na construção de seus personagens. Sempre verborrágico, mas nunca enfadonho, o roteirista apresenta as características daqueles jovens universitários que podem ser considerados idealistas por alguns ou somente revolucionários por outros: Tom Hayden (Eddie Redmayne), Rennie Davis (Alex Sharp), Abbie Hoffman (Sasha Baron Cohen), Jerry Rubin (Jeremy Strong), David Dellinger (John Carroll Lynch), Lee Weiner (Noah Robbins) e John Froines (Danny Flaherty). É este grupo que marcha até Chicago e consegue reunir milhares de pessoas para protestar contra a Guerra do Vietnã. O inevitável: policiais e manifestantes entraram em conflito e muita gente saiu ferida. Quando as investigações começam, o governo não hesita em acusar aqueles sete homens que lideraram as manifestações. Deu-se início, então, um dos mais longos e conflituosos julgamentos da história.
O cinema americano guarda inúmeros exemplos de obras inesquecíveis ambientadas em tribunais, como os clássicos “Testemunha de Acusação”, de Billy Wilder, e “Doze Homens e uma Sentença”, de Sidney Lumet. Assim, seguindo a boa e velha tradição hollywoodiana neste gênero, quando acompanhamos discursos inflamados, teses complexas e revelações incríveis que podem alterar o rumo do julgamento, Aaron Sorkin nos brinda com um filme dinâmico e que entrega o drama, o suspense e até mesmo uma boa dose de humor. O mais importante, no entanto, é que mesmo abordando um episódio já escrito e muito discutido na história, “Os 7 de Chicago” é um filme atual e que nos leva a refletir sobre os meandros da política praticada ainda hoje, as manifestações violentas por todo o mundo e, não raros, os entraves judiciais que provocam a incômoda sensação de injustiça.
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