‘This Is Us’ é uma das melhores séries dramáticas familiares de todos os tempos
Quinta temporada da trama sobre a família Pearson estreou nesta semana; pela primeira vez, seriado retrata acontecimentos atuais como a pandemia de Covid-19 e a morte de George Floyd
Em primeiro lugar, sim, o texto a seguir contém spoilers! Após 4 anos, quatro temporadas completas, é praticamente impossível fazer uma análise minimamente honesta sem mencionar detalhes reveladores de “This is Us”, série de TV americana produzida pela NBC que se tornou grande sucesso, arrebanhou fãs por todos os cantos e conquistou prêmios importantes – como o Emmy de melhor Seriado Drama. Nesta semana, “This is Us” deu início à sua tão aguardada quinta temporada. Ou seja, cá entre nós, caso ainda não tenha assistido a nenhum episódio, sinto em dizer que você está perdendo a oportunidade de conhecer não apenas uma das melhores séries dramáticas familiares de todos os tempos, mas deixando de experimentar um dos mais criativos exemplos de construção narrativa, com uma montagem que usa e abusa das idas e vindas no tempo (o que, tecnicamente falando, conhecemos por flashback e flashforward), permitindo aos roteiristas desenvolver inúmeras camadas para seus personagens. A propósito, “This is Us”, entre todas as principais séries atuais, é possivelmente uma das únicas que apresenta personagens que fogem a qualquer resquício de caricatura barata. São pessoas de carne e osso, que enfrentam seus dramas e aflições, traumas, medos, inseguranças, obstáculos, mas ainda assim conseguem buscar forças para realizar seus sonhos e encontrar (além de compartilhar) a felicidade.
Criada por Dan Folgelman e lançada em 2016, “This is Us” poderia não ter saído do lugar comum ao desenvolver a história de uma família: pai e mãe – o casal Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore) –, além dos três filhos – Kevin (Justin Hartley), Kate (Chrissy Metz) e Randall (Sterling K. Brown). Mas Folgelman vai adicionando ligeiras complicações, regadas a imprevistos que rapidamente vão moldando a dramaticidade de sua crônica familiar. Aos poucos, conhecemos quem são Jack e Rebecca, de universos bem distintos, e como tornaram-se um casal. Rebecca engravida e sabemos que serão trigêmeos. Na maternidade, uma das crianças não sobrevive. Jack e Rebecca estão inconformados e arrasados. Mas justamente naquele instante, naquele mesmo local, surge um bebê que fora abandonado. O casal, que chegou à maternidade com a certeza de que logo voltaria para casa com três crianças, encontra naquele bebê a oportunidade de cumprir o objetivo de formar a família Pearson. Assim, além de Kevin e Kate, os gêmeos sobreviventes, agora Jack e Rebecca também serão os pais de Randall. Um detalhe: Randall é uma criança negra.
Tudo isso foi apresentado no primeiro episódio da primeira temporada. O desenrolar dessa situação inicial, o desencadeamento da narrativa e as consequências circunstanciais da decisão tomada pelo casal nós descobrimos ao longo dos próximos episódios. Mas o que tornou “This is Us” absolutamente viciante e ainda faz dessa uma série única é sua engenhosidade na forma da edição. Como já pontuei, a partir de uma montagem explorando os recursos de flashback e flashforward, o espectador é praticamente arremessado, a cada sequência, para o passado ou para o futuro, não raro apresentando excertos enigmáticos. Isso porque o roteiro refaz toda uma sequência a partir de um ponto de vista diferente e inusitado, subvertendo a linha temporal, apenas para nos revelar mais um detalhe que irá – em algum momento – traduzir a trama.
Um dos detalhes logo revelados por Dan Folgelman e que irá balizar toda a estrutura dramática dos personagens, da primeira até a quinta temporada agora lançada, é a morte do patriarca Jack. É a partir dessa tragédia que será construída a personalidade de cada membro da família Pearson. Kate é a garota gordinha e insegura que pretendia seguir os passos da mãe como cantora, mas tem de lutar por sua aceitação e superar o trauma de uma relação amorosa abusiva. Kevin é um garoto popular na escola, assediado pelas garotas, sempre comunicador e que, não por acaso, acaba virando o astro de uma popular série de TV e do cinema. Randall, por ser negro e adotado por uma família branca, parece se sentir obrigado a se superar; é o gênio da família, o mais inteligente e aplicado. A relação dos irmãos, com seus altos e baixos, é acompanhada de perto por Rebecca que, num instante, precisa ser mãe e pai ao mesmo tempo, além de lidar com o esquecimento.
Muitos foram os desdobramentos e revelações em “This is Us” nas últimas quatro temporadas. Uma característica a ser observada é que, até aqui, a série sempre teve o foco mantido na estrutura familiar dos Pearsons. Apesar das idas e vindas no tempo, sabemos que o presente é o mesmo ao qual estamos inseridos, mas jamais foram explorados quaisquer fatos que acompanhamos diariamente nos jornais ou na televisão. Nesta quinta temporada, no entanto, pela primeira vez sabemos que os personagens vivenciam os dias atuais e os mesmos problemas de todos nós. A pandemia da Covid-19 está presente; ao mesmo tempo, há manifestações e distúrbios por conta do assassinato de George Floyd. Felizmente, e de maneira inteligente, os roteiristas incluíram essas realidades à trama de forma muito natural, sem cair na armadilha simplista da ideologização.
O coronavírus, claro, diz respeito a todos e por isso mesmo vemos os personagens diante da necessidade de usar máscaras e manter o distanciamento social. Já a morte de George Floyd atinge principalmente Randall. Durante toda a série, o personagem conviveu com o preconceito racial, ainda que em nenhum episódio, fatos que ganharam destaque na mídia fossem discutidos em família. Agora é diferente. Os dois primeiros episódios da nova temporada foram ao ar e, até aqui, já temos um dos momentos mais intensos e dramáticos: aquele em que os irmãos Kate e Randall conversam sobre os acontecimentos relacionados a George Floyd. Kate, sem qualquer maldade e apenas por sua ingenuidade, desculpa-se pelo que está acontecendo no país. Randall questiona o motivo das desculpas e lembra que não se tratava do primeiro negro a ser filmado enquanto era morto. “Não sei, agora foi diferente”, diz Kate. “Não para mim, Kate… Nunca foi diferente para mim”.
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