É ético aceitar a terceira dose da vacina enquanto outros países mal aplicaram a primeira?

Há lugares em que pessoas saudáveis logo poderão receber mais imunizantes; no entanto, nos países desassistidos, até profissionais da saúde e grupos de risco continuam desprotegidos

  • Por Monica Magalhães
  • 29/08/2021 08h00
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LEANDRO FERREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO Profissional da saúde aplica a vacina No Brasil, o Ministério da Saúde anunciou o início da aplicação da terceira dose em idosos e imunossuprimidos a partir do dia 15 de setembro

Na última coluna, falei das injustiças globais na distribuição da vacina contra a Covid-19. Alguns poucos países entre eles o Brasil não só avançam com a primeira e a segunda dose como já têm planos para distribuir a terceira. Enquanto isso, a maior parte do mundo continua esperando: 18 países distribuíram menos de 2 doses por 100 habitantes. Em alguns países, mesmo pessoas saudáveis logo poderão receber mais imunizantes, e nos países desassistidos até profissionais da saúde e grupos de risco continuam desprotegidos. Recentemente, um de meus colegas de profissão, eticista especializado em políticas públicas de saúde, foi procurado por um parente que passava por um dilema ético. O parente, residente em Israel, já pode receber a terceira dose. E perguntou: ante a situação global, o que é mais ético? Aceitar a dose? Recusar? Aceitar, mas compensar com uma doação para o Covax? Meu colega o aconselhou a aceitar a vacina, e eu concordo. 

Para um indivíduo, que não decide quais países recebem vacinas primeiro, a escolha é apenas entre tomar a vacina ou, provavelmente, desperdiçá-la. Uma vez que um certo número de doses foi alocado por seu país para a terceira dose, recusá-la não vai ajudar a levar mais doses para os países que mais precisam. Se a terceira dose está disponível, o certo é aceitá-la, assim como as duas primeiras doses. Tanto para nossa proteção individual, quanto para contribuir com a imunidade coletiva protegendo aqueles que não podem se vacinar, protegendo os demais vacinados de infecções pós-vacina (que são raras, mas acontecem), e reduzindo os riscos de novas variantes. Fazer uma doação para o Covax, a R$25 por dose doada, é um gesto louvável e imediatamente acessível para quem quer fazer diferença sozinho. 

Mas são as ações dos governos que, coordenadas pela Organização Mundial de Saúde, podem fazer mais diferença mais rápido na produção de vacinas e em sua distribuição entre países. Aqueles que têm voz e voto nos países que têm vacinas e dinheiro devem usá-los em prol de doar doses excedentes e direcionar recursos para o Covax, aumentar o volume de doses produzidas no mundo, e especialmente aumentar o volume de doses indo para aqueles países que dependem exclusivamente (ou quase exclusivamente) do Covaxa parte do programa que serve países de baixa renda através de doações entregou muito menos doses do que a parte que serve os países que financiam as próprias vacinas. E são essas ações coordenadas globais que podem criar instituições que, em pandemias futuras, nos levem a uma distribuição mais justa desde o início, evitando este tipo de dilema.

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