Se vacinação continuar desigual, é questão de tempo até que o progresso que fizemos vá por água abaixo

EUA, Canadá e Reino Unido são alguns países que começam a planejar doses de reforço para grupos vulneráveis; enquanto isso, nações mais pobres mal iniciaram a imunização

  • Por Mônica Magalhães
  • 15/08/2021 08h00
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EFE/EPA/JAGADEESH NV Pessoa colocando agulha no braço de outra, vacinando contra a Covid-19. Na foto só mostra a mão e o braço das duas. Variante Delta está revertendo os processos de reabertura mesmo nos países mais vacinados

No começo de 2021, alguns países começaram a vacinar populações menos vulneráveis, grupos não prioritários. Enquanto isso, no Brasil, a imunização avançava devagar e o coronavírus circulava descontroladamente, criando alto risco de surgimento de novas variantes — como a Gama, identificada em Manaus, que preocupou o mundo. O Brasil era chamado de “pária sanitário” e “ameaça para a segurança da saúde global”. Já estava claro que a prioridade do mundo precisava ser acelerar a vacinação nos países onde faltavam imunizantes, para reduzir o risco de novas cepas mais resistentes às vacinas. Hoje, o Brasil está entre os países mais vacinados, com mais da metade da população já tendo recebido pelo menos uma dose, e pouco mais de 20% com a imunização completa.

Esse progresso começa a se refletir no declínio das hospitalizações e mortes. Estados Unidos, Canadá e Reino Unido têm mais doses do que seriam necessárias para vacinar toda a população, e começam a planejar (e encomendar, a preços que a maior parte do mundo não pode pagar) doses de reforço para grupos vulneráveis. Israel começou a administrar doses de reforço para idosos com mais de 60 anos; França e Alemanha querem oferecer a terceira dose a grupos de risco a partir de setembro. Enquanto isso, muitos países mais pobres — onde vive a grande maioria da população mundial — mal começaram a vacinar. Na Nigéria, por exemplo, que tem a sétima maior população do mundo, apenas 1.3% recebeu pelo menos uma dose.

Ante tais disparidades, a Organização Mundial de Saúde (OMS) pediu uma moratória na aplicação de doses de reforço até o fim de setembro, para que alguns dos mais vulneráveis do mundo possam receber imunizantes, que continuam escassos. Até agora, o apelo foi ignorado. A variante Delta, que está revertendo os processos de reabertura mesmo nos países mais vacinados, parece estar fazendo recrudescer o “nacionalismo das vacinas”. Tudo indica que doses adicionais vão ser necessárias, e logo. Para que estes reforços possam ser distribuídos de forma ética, é urgente aumentar a produção e distribuição de vacinas pelo mundo todo, para que os países desfavorecidos não fiquem permanentemente presos no fim da fila. Isso exige mudanças em torno de patentes, transferências de tecnologia, e, quando necessário, recursos para ajudar os países mais pobres a distribuir as doses.

Grupos já vacinados são muito menos vulneráveis do que os grupos de maior risco nos países que ainda não estão vacinando. Doses de reforço podem ser benéficas, mas, se a produção de vacinas não aumentar, estes benefícios prováveis viriam às custas dos benefícios comprovados, e maiores, de vacinar os que ainda não receberam nenhuma dose. Além disso, essas pessoas estão em países com menos infraestrutura de saúde, mais facilmente sobrecarregada, e portanto correm mais risco de morte para casos igualmente severos. Além das considerações de equidade, há o claro interesse comum do mundo inteiro em frear a transmissão e as mutações do vírus. Se continuarmos como estamos, é questão de tempo até que um novo “pária sanitário” gere uma variante que escape mais eficientemente das vacinas existentes. E que o progresso que o Brasil e poucos outros países fizeram vá por água abaixo.

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