Paraguai lembra queda de Stroessner sem atender reivindicações das vítimas
César Muñoz Acebes.
Assunção, 3 fev (EFE).- O Partido Colorado paraguaio fez nesta segunda-feira um mea culpa por sustentar a ditadura de Alfredo Stroessner, mas deixou sem resposta os pedidos de justiça por parte das vítimas, quando se completam 25 anos da queda do regime militar, o mais longo da história da América Latina.
A data foi lembrada em um ato oficial no Congresso no qual participaram o presidente Horacio Cartes e outras autoridades do país, mas no qual não discursaram as vítimas da ditadura.
Esses sobreviventes se transformaram pela primeira vez em protagonistas de uma cerimônia no Panteão dos Heróis, na qual até agora tinham sido militares e políticos os que dominavam a cena.
A distância física entre ambos lados também se refletiu nos discursos.
Cartes, que assumiu o poder em agosto do ano passado justamente pelo Partido Colorado, destacou os avanços democráticos nos últimos 25 anos, ao mesmo tempo em que reconheceu “os déficit de uma prolongada transição”, marcada por escândalos de corrupção e “preocupantes índices de pobreza”.
Em seu discurso não fez nenhuma referência aos milhares de paraguaios que sofreram detenções ilegais, torturas, assassinatos, ou foram forçados ao exílio por Stroessner.
O presidente do Congresso, o também colorado Julio César Velázquez, admitiu que seu partido “foi o principal sustento político” dos quase 35 anos de ditadura e comentou que só admitindo os “erros” seria possível “suturar definitivamente as feridas”.
Juan Carlos Wasmosy, o primeiro presidente civil após a queda de Stroessner, também reconheceu que o partido apoiou “um governo forte conforme a essas circunstâncias naquela época”.
Os heróis, no ato no Congresso, foram os ex-militares que participaram do golpe de Estado que defenestrou Stroessner, urdido por seu consogro, o general Andrés Rodríguez.
A líder da bancada colorada na Câmara dos Deputados, María Cristina Villalba, qualificou de “façanha histórica” esse levante, que abriu a porta à democracia.
Na madrugada de um dia como hoje, há 25 anos, terminaram os combates iniciados na véspera, quando tropas mobilizadas por Rodríguez atacaram os redutos leais a Stroessner na busca pelo ditador, que após sua queda buscou asilo no Brasil.
Nos confrontos se estima que morreram pouco mais de 200 pessoas, embora não exista um cômputo oficial.
De manhã, com os tanques ainda na rua, uma maré espontânea de cidadãos saiu para comemorar o fim de uma ditadura que parecia que não ia acabar nunca.
Mas essa alegria inicial azedou para as vítimas, que viram frustrada sua esperança que os torturadores fossem julgados.
A Comissão de Verdade e Justiça (CJV) registrou um total de 425 executados ou desaparecidos, e cerca de 20 mil detidos, a maioria vítima de pancadas, choques elétricos, queimaduras e outras formas de tortura, e 20.814 pessoas se viram forçadas ao exílio.
A Comissão identificou 448 torturadores, com base em uma enorme recopilação de documentos oficiais e testemunhos de mais de duas mil pessoas, mas apesar dessas provas, a Justiça paraguaia não acusou ninguém desde a publicação do relatório, em 2008.
Previamente o Paraguai condenou um pequeno grupo de policiais e os três que ainda permanecem em prisão serão libertados este ano, segundo disse à Agência Efe o diretor de Reparação e Memória Histórica, Rogelio Goiburú, filho de um desaparecido, Agustín Goiburú.
No ato no Panteão, a titular da Direção Geral de Verdade, Justiça e Reparação, Judith Rolón, filha de Martino Rolón, também desaparecido na ditadura, exigiu que se recuperem as terras das quais Stroessner se apropriou ilegalmente, um pedido que as vítimas reiteram todo ano.
A CJV calculou que foram 7,8 milhões de hectares, uma área que é quase o dobro do território da Suíça.
Cerca de 1.300 hectares ficaram com o próprio ditador, cuja fortuna familiar foi cifrada pelo escritor Aníbal Miranda em US$ 4 bilhões, e o resto foi distribuído entre seus acólitos, incluindo o próprio Rodríguez, já falecido.
A injusta distribuição da terra continua sendo uma das maiores fontes de conflito do Paraguai, que a democracia não conseguiu sanar. EFE
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