É desonesto e deplorável politizar a morte de Tarcísio Meira

Fico enojado com essa manipulação dos fatos para benefício próprio, como fez o senador Alessandro Vieira, tentando culpar o presidente Jair Bolsonaro

  • Por Paulo Mathias
  • 15/08/2021 08h00
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Alex Silva/Estadão Conteúdo - 01/08/2021 De braços cruzados, usando camisa e blazer preto, o ator Tarcísio Meira posa para um foto em sua casa Tarcísio Meira interpretou personagens memoráveis como João Coragem, em "Irmãos Coragens", e Capitão Rodrigo, em "O Tempo e o Vento"

Um dos temas que mais me levam a refletir é a questão da morte. Acredito que, na maior parte do tempo, não estamos preparados para lidar com a nossa finitude. Mas ela chega, não sabemos quando, e leva pessoas que amamos, sem explicações. Ordem natural da vida. Porém, a morte, hoje em dia – e não é só neste momento de pandemia –, tem se tornado um gatilho político para incitar o ódio entre pessoas, muitas vezes sem nenhum tipo de convicção partidária. Utilizam-se estatísticas científicas para induzir a questionamentos bizarros sobre quem está no poder, esquecendo-se do fato puro e simples, como se tem visto nas repercussões a respeito da morte do ator Tarcísio Meira, ocorrida nesta semana. Não é só nos filmes, seriados, livros e outras obras de arte que se veem deturpações da realidade, gerando perseguições infundadas a personagens amados pelo público. Muito me assusta que essas inversões de valores passam por momentos que exigem, no mínimo, nosso respeito. Assustador.

O ator Tarcísio Meira, ícone da dramaturgia brasileira, um dos maiores galãs da TV do país, morreu aos 85 anos, nesta quinta-feira, 12, vítima de complicações da Covid-19. Tarcísio e a esposa, a atriz Glória Menezes, foram internados no Hospital Albert Einstein. Ele precisou ser intubado, mas Glória teve sintomas mais leves. Nascido em 5 de outubro de 1935, em São Paulo, Tarcísio teve uma carreira de mais de 60 anos, na TV, cinema e teatro. Com um casamento de mais de 50 anos, viveu uma parceria nos palcos e na vida, invejada por muitos. Para mim, fica essa imagem, em que podemos nos espelhar e reverenciar. Mas o que ocorre não é bem assim. O que se vê pipocando na mídia são declarações como a do senador Alessandro Vieira (Cidadania), que deu a notícia durante os trabalhos da CPI da Covid-19, levando os senadores a fazerem um minuto de silêncio em homenagem ao ator. Porém, sua real intenção foi a de “culpar” o atual governo, ao dizer que “é mais um desses quase 600 mil brasileiros que perderam a vida, dentre outras coisas, porque o governo não soube fazer o trabalho na hora certa, não teve responsabilidade e seriedade para isso”. Nas entrelinhas, o senador quis se referir à falta de vacinas, “causa mortis”, segundo ele, de muitas pessoas, inclusive de Tarcísio. Mais uma vez fico enojado com essa manipulação dos fatos para benefício próprio.

Tarcísio Meira, assim como sua companheira, Glória Menezes, haviam recebido as duas doses de vacina contra o coronavírus, porém, cientificamente, se sabe que nenhuma delas possui eficácia de 100%. É fato, também, que 3,7% dos imunizados morrem de Covid-19. Além disso, é fato que pessoas acima de 70 anos são as principais vítimas, em razão de possuírem menor imunidade. Mas nada disso serviu de base para os políticos de plantão, que veem na morte uma oportunidade para levar a opinião pública para onde eles querem, invertendo o real significado de um fato, desrespeitando o luto, tudo em prol de seus interesses. É sórdido e retrata o panorama político atual. A que ponto chegamos, onde a morte, para muitos, deixou de ser o término de uma etapa para se tornar um instrumento de manipulação? Isso me embrulha o estômago. Com isso, poucas foram as notícias que celebraram a caminhada artística de Tarcísio. O mais relevante foi fazer uso da morte do ator para estabelecer um clima de ódio contra figuras de destaque no governo e contra o próprio presidente em exercício, Jair Bolsonaro.

Tarcísio estreou na TV Globo em 1967, onde atuou em novelas, minisséries e especiais. Representou inúmeras personagens, como João Coragem, em “Irmãos Coragem”, Renato Vilar, em “Roda de Fogo”, e Capitão Rodrigo, em “O Tempo e o Vento”. Seu currículo foi recheado de mais de 60 trabalhos televisivos em uma carreira que teve início na TV Tupi, em 1961. Participou de 22 longas-metragens, dirigidos por cineastas como Glauber Rocha, Walter Hugo Khouri, Anselmo Duarte e Bruno Barreto, além de 31 peças de teatro. Para mim, e acredito que para a maioria das pessoas, o que fica é essa história, que tantos de nós puderam acompanhar, mesmo que por um período mais curto. Lamento que tudo possa cair no esquecimento daqueles influenciáveis por figuras deploráveis que adoram inverter fatos a seu favor. Com ações desse tipo, cada vez fica mais claro pra mim a sordidez da política brasileira – com raras exceções – fazendo com que repensemos nossas escolhas para as próximas eleições, a fim de que fatos como esse não se repitam com frequência e que possamos reverenciar nossos artistas apenas por seu legado. Tarcísio, descanse em paz.

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