Brasil precisa cortar gastos, mas incrivelmente só fala em aumentar

Com a vacinação, não dá para continuar imitando os países mais ricos e gastando além do que pode; dívida do governo federal passou dos 90% do PIB em janeiro

  • Por Samy Dana
  • 26/02/2021 10h00
Pixabay/Creative Commons Cédulas de real dispostas sobre superfície branca Entre os países emergentes, a situação fiscal vai definir a próxima fase do crescimento

Em janeiro, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, a dívida do governo federal passou dos 90% do PIB, o Produto Interno Bruto. Com uma alta de 0,99 pontos percentuais em janeiro, chegou a 90,3% da soma das riquezas na economia. Atingiu total de R$ 5,059 trilhões em janeiro. Cinquenta bilhões de reais a mais do que em dezembro. Com números assim, qualquer governo com a economia em situação delicada, como a brasileira, estaria falando em cortar gastos. Mas no Brasil incrivelmente só se fala em aumentar. E ainda abrir mão de receita de impostos.

No Congresso, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para cortar gastos em situações de emergência, ironicamente, vai aumentá-los. Junto com medidas de economia, a PEC flexibiliza as regras fiscais, permitindo ao governo gastar sem respeitar o teto de gastos e ainda abrir mão dos tributos federais sobre os combustíveis para agradar os caminhoneiros, descontentes com os aumentos recentes no preço do diesel. As compensações, segundo os cálculos que circularam nesta quarta-feira, 25, devem ficar em 10% do aumento de gastos com o retorno do auxílio emergencial, em março. Mesmo sem valor definido, número de beneficiados e prazo, o benefício, pago no ano passado aos trabalhadores informais, já tem custo estimado de R$ 40 bilhões.

Já a isenção do PIS e da Cofins no diesel por dois meses, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, deve custar entre R$ 3 bilhões e R$ 4,5 bilhões, por se tratar de medida extraordinária sem aumento de receita vinda de outra fonte, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um rombo de até R$ 45 bilhões no ano nas contas públicas. E ainda estamos em fevereiro. Gastar com medidas de ajuda à população e à economia foi regra entre todos os países emergentes em 2020. A dívida do México aumentou quase 12% no ano passado em relação ao PIB. Mas ainda assim está em 65%. No Chile, 27% para 32% do PIB. Ainda dentro de uma faixa considerada confortável.


Dívida x PIB em 2020

Argentina        96,6%

Brasil               89,3%

África do Sul   82,7%

Colômbia        68,2%

México             65,5%

China              61,7%

Chile                32,1%


Mesmo na China, onde os lockdowns foram severos e o governo criou um grande programa de ajuda, a dívida ficou pouco abaixo de 62%. Comparável à situação do Brasil, só a da África do Sul, onde a relação dívida-PIB chegou aos 82,7%, e a da Argentina, que, com a pandemia, chegou a inviáveis 96,6%. Um estado de pré-calote no caso dos nossos vizinhos.  É um cenário que pesa sobre a economia brasileira. Os juros da taxa Selic, de 2% ao ano, por exemplo, são quatro vezes mais altos do que no Chile (0,5%). Empatam com os juros da Colômbia, que tem dívida equivalente a 68% do PIB . Mas a previsão é de que estejam bem mais altos – 5% contra 2,75% – por aqui no ano que vem. Muitos gastos na pandemia foram necessários. Mas agora, com a vacinação, não dá para o Brasil continuar imitando os países mais ricos e gastando além do que pode. Entre os países emergentes, a situação fiscal vai definir a próxima fase do crescimento. Aumentar a dívida nesse contexto é ideia.

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