Claudio Dantas: Investigação sobre ‘Abin paralela’ não vai parar em Alexandre Ramagem
O monitoramento por geolocalização não inclui acesso a conteúdo de conversas ou mensagens, mas permite traçar um rotina de deslocamento do usuário e, por meio do cruzamento com sinais de outros aparelhos, determinar eventuais encontros entre os alvos
Alvo de buscas hoje em operação que investiga o monitoramento ilegal de celulares de autoridades pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) pode dar adeus à disputa pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O pré-candidato é considerado pela Polícia Federal suspeito de comandar um sistema paralelo usado para vigiar integrantes do judiciário, políticos e até jornalistas considerados críticos à gestão de Jair Bolsonaro. Suspeitas envolvendo a chamada “Abin paralela” vieram à tona em reportagens de órgãos de imprensa ainda no governo anterior. Dois dias antes de deixar a agência para concorrer à Câmara em 2022, o então diretor-geral determinou a abertura de um expediente interno, mas a apuração não avançou. Novas denúncias na imprensa, então, levaram à Polícia Federal a abrir sua própria investigação. Concluiu-se que funcionários da Abin e da PF, nomeados por Ramagem, conseguiram acessar de forma clandestina o sinal de celulares de diferentes alvos sem o conhecimento das operadoras de telefonia. Adquirido da empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o software FirstMile se conecta à infraestrutura de telefonia.
O monitoramento por geolocalização não inclui acesso a conteúdo de conversas ou mensagens, mas permite traçar um rotina de deslocamento do usuário e, por meio do cruzamento com sinais de outros aparelhos, determinar eventuais encontros entre os alvos. A PF tem indícios de que um dos primeiros alvos teria sido o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), durante sua gestão como governador do Ceará. Em função da onda de violência promovida pelo crime organizado no estado em 2019, o petista chegou a pedir apoio da Força Nacional. Teriam sido monitorados na mesma época o senador Davi Alcolumbre e o ex-deputado Rodrigo Maia, que comandavam o Senado e a Câmara, respectivamente. Ambos foram acusados nas redes bolsonaristas de planejar um “golpe parlamentarista” contra Bolsonaro. Apoiador do ex-presidente, Roberto Jefferson chegou a falar publicamente sobre o suposto golpe. Mesmo sem provas, o conteúdo foi repercutido por Bolsonaro em uma de suas lives. Investigadores também suspeitam que Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes foram monitorados clandestinamente, em meio às tensões entre Executivo e Judiciário.
Por meio da representante brasileira Suntech, a Cognyte fechou ao menos três contratos com a Abin, em montante superior a R$ 17 milhões. Durante sua gestão, Ramagem elevou o nível de sigilo dessas aquisições. Esses contratos também estão sendo investigados pela PF, que, durante operação em outubro passado, cumpriu mandados de busca e apreensão na própria sede da agência. A investigação, que já conta com a colaboração interna de ex-servidores, deve seguir a hierarquia de comando da Abin, então sob controle do GSI de Augusto Heleno, braço-direito de Bolsonaro. Os investigadores não descartam entrar no entorno familiar do ex-presidente, considerando denúncia feita pelo ex-ministro Gustavo Bebianno, pouco antes de morrer em março de 2020, acusando Carlos Bolsonaro de tentar montar uma ‘Abin paralela’ no Planalto. Na ocasião, Bebianno disse que ele e o também ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz foram contrários à ideia. Ironicamente, um dos investigados pela PF é o empresário Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general e representante da Cognyte. Ele foi alvo de buscas ainda em outubro. Carlos sempre negou as acusações.
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