Com método inovador, boliviano usa folha de coca em obras de arte
Yolanda Salazar.
La Paz, 29 nov (EFE).- Disposto a quebrar o tabu da folha de coca, o boliviano Luis Quispe cria obras de arte em que utiliza a planta para brincar com os rostos de suas telas e reforçar o conceito de identidade boliviana.
“A reputação desta folha é que a droga é feita com ela, mas isso não quer dizer que morder a folha seja ruim”, comentou Quispe, que combina tons de marrom com os verdes naturais da folha de coca.
O autor, que já fez mais de 300 obras com a folha de coca, usa uma técnica que consiste em colar as folhas sobre uma tela para brincar com os rostos de pessoas.
Ao elaborar as obras ele inova o uso da folha milenar para fazer um tipo de “arte mais profunda”, que reflita e se identifique com povo e também mostre que a folha de coca “não é uma coisa ruim, é uma coisa boliviana”.
À medida que se sobrepõem e combinam, as folhas vão se tornando a pele dos rostos avantajados de olhar melancólico que Quispe cria em suas telas.
Segundo o artista, essa colagem “reflete a vida dos bolivianos”, já que cada rosto representa os duros desafios a serem superados pelos indígenas e mineiros, coletivos que aderem à folha para ganhar “força” e continuar trabalhando.
“Seus olhos pareciam gravuras para mim, pois dá para ver o sofrimento e a fadiga do trabalho que fazem”, comentou.
Além disso, o artista disse que a teoria clássica da cor é “algo que os conquistadores sugeriram e não é algo puro”. Por isso, Quispe prefere utilizar, além das folhas, pigmentos extraídos da coca e só utiliza óleo para ressaltar os detalhes de forma sutil.
“Cada folha de coca é de um tom diferente e tão natural que eu nem penso em como usá-lo, ele vai simplesmente se fundindo com os rostos da nossa gente”, disse.
O artista utiliza folhas de diferentes partes da Bolívia, pois as tonalidades diferem dependendo do terreno em que a planta é cultivada.
“Cada folha de coca de cada lugar da Bolívia é diferente, por isso busco as tonalidades que se adequam à obra”, explicou o artista.
As principais áreas de cultivo de folha de coca na Bolívia são a região central da cidade de Cochabamba e a região subtropical de Yungas, no oeste andino do país.
Em alguns de seus quadros, Quispe combina as folhas de coca com tecidos tipicamente andinos como os “aguayos” coloridos, mas seu trabalho foi evoluindo e hoje prefere que toda a obra seja elaborada com coca.
O primeiro retrato que o artista “pintou” com essa técnica foi o do guerrilheiro argentino-cubano Ernesto Che Guevara. A obra, feita em 2012, foi comprada pela embaixadora da Venezuela na Bolívia.
“O presidente Evo Morales apareceu em uma reunião com a embaixadora da Venezuela na televisão e vi minha obra pendurada no fundo, fiquei muito orgulhoso”, afirmou Quispe.
O artista já expôs na Bolívia em seis ocasiões e cobra entre US$ 100 e US$ 2.000 por cada quadro, de acordo com “o simbolismo” de cada tela.
Ao lado de Peru e Colômbia, a Bolívia é um dos três principais produtores mundiais de folha de coca, planta que contém o alcaloide base para a elaboração de seu derivado ilegal, a cocaína.
Na Bolívia, a planta tem usos culturais ancestrais, como a aplicação medicinal, e também é utilizada em indústrias de alimentos, bebidas e cosméticos, mas uma alta porcentagem do cultivo é desviada para o tráfico de drogas.
A ONU reconheceu em 2013 a tradição de mascar “acullicu”, na Bolívia, embora a folha de coca continue sendo controlada pelas Nações Unidas. EFE
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