“O que me estimula é continuar a inspirar pessoas”, diz Bernardinho
O técnico Bernardinho tem um dos currículos mais vitoriosos do vôlei no mundo. Foi bicampeão olímpico e tri mundial com a seleção masculina, entre dezenas de outras conquistas, e é o atual pentacampeão da Superliga feminina. Se sua especialidade está nas quadras, fora dela quer se aprimorar e se preparar até para uma mudança grande.
Desde que deixou a seleção masculina após o ouro nos Jogos Olímpicos do Rio-2016 – ele garante que não tem mais tempo livre por causa disso -, Bernardinho passou a ser cotado com mais ênfase para sair como candidato nas próximas eleições. Filiado ao Partido Novo, ele pede calma para decidir.
“Prefiro não falar sobre isso neste momento. Ainda tem muita coisa para acontecer, vamos ver”, disse o treinador, em entrevista ao Estado. Ele sabe que uma possível candidatura para governador do Estado do Rio de Janeiro tem de ser muito bem planejada. Por isso, prefere falar do esporte, sua paixão e de onde parte sua visão de mundo.
Questionado sobre seu planejamento pessoal após a Superliga, que termina em abril, ele garante ter muitas dúvidas. “Eu não sei ainda. Estou vendo tantas coisas, estudando e me preparando. Se pudesse tirar um ano sabático, ou meses sabáticos, e ir para fora estudar, gostaria de fazer. Mas não consigo abrir a agenda por tanto tempo”, comentou.
Há um mês, Bernardinho foi convidado pela Fundação Lemann para participar de um debate sobre o Brasil na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. “Foram apenas três dias, mas foi espetacular Voltei de lá com mil coisas na cabeça e com vontade de retornar para uma dessas grandes universidades para fazer um curso”.
Os olhos de Bernardinho brilham quando ele fala dos frutos que continua colhendo de seu projeto social. Mas ele logo ganha um tom sério ao falar do dinheiro público desperdiçado nos Jogos do Rio-2016. Para ele, o legado da Olimpíada no Brasil não foi bom. Confira a entrevista exclusiva com o treinador do Sesc-RJ:
Quando você começou com o projeto social no vôlei, imaginava que teria a dimensão que tem hoje, com conquistas na quadra e jogadoras atuando em alto nível inclusive em outras equipes?
Quando surge a ideia de montar um projeto social 20 anos atrás, vai completar 21 agora, a ideia era compartilhar um pouco do esporte com outras pessoas e fazer com que elas vivenciassem isso. A cereja no bolo é o surgimento de algumas jogadoras, como a Roberta, nossa levantadora, a Suelle, que está no Barueri, e muitos outros meninos e meninas. Algumas até saíram e foram estudar nos Estados Unidos e o vôlei deu a elas condição de conseguir uma bolsa de estudos e transformar a vida delas através do esporte. Nunca imaginei que fosse se tornar algo tão abrangente, mas foi o que sempre quis.
Como está sendo nesta temporada?
O processo continua. Estamos em escolas públicas de periferia, estávamos nas UPPs, mas agora elas estão tendo problemas e muitas das quadras estão inviáveis porque a violência recrudesceu novamente, as facções voltaram a dominar o espaço, então a gente perdeu um pouco. Acredito que o esporte tem de estar na escola, porque lá é o hábitat natural da criança. Com isso e atividades culturais se combate a evasão escolar. O processo de ensino é longo, muitas vezes não tão sedutor, então com isso se consegue reter as crianças de uma forma mais agradável.
Como surgiu a parceria com o Sesc-RJ?
O Sesc-RJ veio nos apoiar como time competitivo, mas existe por trás disso um projeto muito interessante, de transformação pelo esporte. Há uma sinergia de intenções. São 19 núcleos em todo Rio de Janeiro e temos ido, junto com o time masculino, a cada um deles. Fazemos clínicas, estamos com os alunos, professores, familiares, tem sido algo muito interessante. O esporte vai ter consistência efetivamente quando tiver uma massa de praticantes com qualidade. E isso só haverá com um projeto nacional, público, que se perpetue.
Mais uma vez o Rio é o time a ser batido na Superliga. Está cada vez mais difícil manter a hegemonia?
A gente tem consistência, mas já tivemos derrotas. Perdemos agora para o Dentil/Praia Clube, que é um time muito forte, com investimento muito alto. Elas não começaram bem o Mineiro, mas depois engrenaram e é um time muito bem montado. O grupo é muito bom. Eu digo sempre isso, você não ganha com as melhores jogadoras, ganha com um misto disso com as pessoas certas. Eu conheço quase todas daquele grupo. Sei da qualidade técnica e da qualidade humana: a Amanda, Fabizona, que chegou jovem conosco e foi capitã da seleção brasileira. Me enche de um certo orgulho de ter feito parte desse caminho. Isso é o que conta. Medalhas não sei onde estão, minha esposa que guarda, mas essas coisas eu vou levar.
Você já ganhou praticamente tudo no vôlei. Ainda encontra estímulo para continuar sendo competitivo?
Eu gosto disso, do processo. Não é apenas o ganhar. Perder continua me incomodando muito, claro, mas eu confesso a você que a vitória é cada vez mais efêmera porque eu não consigo comemorar muito, no dia seguinte já estou pensando em outro desafio. Já a derrota eu fico ruminando, mesmo em um simples jogo.
Você aprendeu a perder?
Eu aceito, é do jogo. Se não aprender com isso não serve a nada, não vai ajudar no seu crescimento.
O jeito que você é do lado da quadra é igual quando está em casa?
Não. Até minha filha mais nova, que acabou de fazer 8 anos, disse isso numa entrevista: “Meu pai não é bom em uma coisa. Ele não sabe dar bronca”. Para minha de 15 anos, falo para ela não dizer aos amigos que eu sou um banana (risos). As jogadoras que me conhecem bem sabem que sou um molenga. Elas conviveram comigo em momentos bons e ruins, então sabem que antes de qualquer coisa, minha preocupação é sempre com a pessoa. O que me estimula é continuar a inspirar pessoas.
Qual o seu planejamento para 2018?
Eu não sei ainda. Isso envolve muita coisa e agora estou focado no meu time e na disputa da Superliga. Depois vou pesar tudo com calma. Estou vendo tantas coisas e estudando, querendo me preparar. Se pudesse tirar um período sabático, gostaria de fazer. Mas não consigo abrir a agenda por tanto tempo.
Como você conseguiu ter uma carreira com sucesso como técnico tanto no masculino quanto no feminino?
Era uma experiência muito rica porque havia uma complementaridade das coisas. O vôlei feminino é muito técnico, o masculino é mais tático, de posicionamento, então isso me deu condição de evoluir. Foi uma troca de experiências interessante durante 16 anos. Foi muito rico. Claro que cansativo, pois não parava, e hoje sinto falta.
Você se arrepende de não ter continuado na seleção masculina?
As pessoas de bom senso criticam quem quer se perpetuar nas posições. Teve um momento que me senti um pouco assim, mas os bons resultados propiciavam a continuidade. De qualquer maneira, achei que era hora de abrir mão. Há uma série de coisas que as pessoas não têm noção. Cada vez que você tem de cortar alguém, aquilo tira um pedacinho de você. São pessoas que você adora, mas acaba cortando. E sei disso porque já fui cortado.
Você é obcecado em tudo que faz. Como preencheu o vazio que ficou após a saída da seleção?
Não tem tempo livre algum. Eu não paro. Acordo às 4h30 da manhã para ir pedalar e vou até tarde. Claro que só quando eu posso, porque tem as viagens com o time. Dou muitas palestras, vou nas escolas, estive agora em Itaboraí, na Grande Rio, em um evento para 400 pessoas, tenho muitas solicitações e faço tudo com o maior prazer. Estava com um acordo com o Insper em São Paulo, mas não consegui encaixar na agenda. Também fui dar aulas na PUC-RJ, onde fiz economia, junto com um outro professor. O curso chamava “Liderança empreendedora”. Tínhamos alunos de todas as áreas, jovens de 19, 20 anos, foi uma das experiências mais ricas que vivi. Quem tiver possibilidade não pode perder nunca a oportunidade de dar aula alguma vez em sua vida. Eu mais do que nunca valorizo hoje o professor.
Você pode retornar à seleção nos próximos Jogos Olímpicos?
A seleção brasileira está muito bem capitaneada. O Renan (Dal Zotto) é um cara inteligente, preparado e está fazendo trabalho excelente. Temos contato, estou ajudando com a minha experiência sempre que possível, nos damos muito bem. Tive sondagens de fora, mas tenho de ser agradecido pela oportunidade que tive na seleção brasileira. Não vejo como possibilidade ir para a Olimpíada.
Como você vê o legado dos Jogos do Rio-2016?
A festa foi linda. Não apenas porque ganhamos a medalha de ouro, mas os amigos estrangeiros amaram. As crianças passam hoje pelo Parque Olímpico e falam que têm saudade daquilo. O brasileiro tem a capacidade de ser hospitaleiro, apesar das dificuldades de realizar. O Rio tem um charme especial. Conseguiu controlar questões que preocupavam, como a violência, mas infelizmente sobrou muito pouco. A Olimpíada que era para ser com mais verbas privadas não foi, pois utilizou-se muita verba pública.
E as arenas?
Na minha opinião, construíram ginásios em excesso, não precisava disso. Arenas temporárias seriam mais convenientes. No Maracanãzinho, que é um ginásio muito antigo, outro dia fui fazer uma reportagem lá e eles não conseguem acender a luz. Faz um ano e quatro meses que não tem atividade lá. Isso não é possível. A única arena que funciona é a Jeunesse, que é privada e multiúso. Estamos jogando lá muitas partidas da Superliga. O velódromo pegou fogo, tem problemas. A conta não fecha.
Você gostou da nova votação para alterar o estatuto do COB, que incluiu uma participação maior de atletas, após você ter criticado a assembleia anterior que tinha votado contra isso?
Eu não sou muito otimista de um modo geral, sou do realista para o preocupado. Achei que foi uma decepção naquela ocasião o voto do vôlei, quem foi e fez aquilo não me representava. O voleibol sempre foi um esporte de vanguarda. Teve de haver um embate maior e um posicionamento público dos atletas. Alguns chegaram criticando a gestão anterior e depois não fazem o movimento correto. Fui duro no meu posicionamento, em particular com o voleibol, pois não admitia aquilo. Disse até para a comissão de atletas que se a CBV não mudasse o posicionamento, eles deveriam todos se demitir.
Como pai, te orgulha ver onde seu filho Bruninho chegou?
Muito. Não apenas como atleta, mas como homem. A postura dele ao longo dos anos foi exemplar. Teve muita pressão, às vezes para me atacar, atacavam ele, mas se manteve com dignidade. O bacana é poder ver como ele é respeitado e como gostam dele. O Bruno tem uma inteligência emocional muito superior à minha. Ele não se tornou capitão na seleção porque era meu filho, se tornou porque era digno daquilo. Os dois grandes líderes dessa reta final na seleção foram ele e o Serginho. Eles carregaram a bandeira dos valores que nós praticávamos.
E suas filhas, elas também jogam vôlei?
A de 8 anos sim. A Vitória vai ter até um torneio agora. Já a de 15 anos, a Julia, não. Ela estuda, dança, está mais focada nisso Ela gosta do vôlei, mas acho que o esporte tirou muito os pais de casa quando ela era pequena.
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