Refugiada que competiu no Rio 2016 ganha status de embaixadora da ONU
Nadadora síria Yusra Mardini
Nadadora síria Yusra MardiniDos campos de refugiados para as piscinas olímpicas. Das competições internacionais para os encontros diplomáticos. Depois de se transformar uma celebridade nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, a refugiada e nadadora síria Yusra Mardini ganhou o status de embaixadora da boa vontade da ONU e vai representar a entidade para sensibilizar o mundo sobre a necessidade de acolher refugiados.
Para as Nações Unidas, ela se transformou em uma “voz poderosa” e “exemplo” de como se pode reconstruir uma vida. Desde o Rio, ele se reuniu com o papa Francisco, com o ex-presidente Barack Obama e realezas. Agora, é a embaixadora mais jovem da história da entidade.
Na ONU, ela terá o papel de convencer governos a adotar uma atitude de abertura com refugiados e ainda percorrer escolas e institutos para explicar aos europeus e populações locais sua história. A meta é a de sensibilizar a opinião pública e desfazer a tensão que existe em muitas partes do Velho Continente diante da chegada de milhões de refugiados.
“Não precisamos ter vergonha em dizer que somos refugiados se não esquecermos quem somos”, disse. “Ainda somos médicos, engenheiros, estudantes”, afirmou. “Yusra é uma jovem profundamente inspiradora”, disse Filippo Grandi, alto comissário da ONU para Refugiados. “Ela representa a esperança”, disse.
Ao aceitar o novo papel, a síria insistiu que está feliz em “continuar a promover a mensagem”. “Somos jovens. Mas por tudo que vimos, parece que já vivi uns cem anos”, disse. Segundo ela, a agência da ONU faz um “trabalho incrível” pelos refugiados. Tradicionalmente, a agência da ONU usa seus embaixadores para convencer doadores a manter recursos para seus trabalhos.
Se seu papel social ganha força, uma equipe de gerentes e assessores faz questão de controlar sua imagem e tudo que é dito. Questionada pelo jornal O Estado de S. Paulo sobre as suspeitas de corrupção que enfrentam os Jogos do Rio, porém, ela adotou um discurso tradicional.
“Sou uma atleta. Acho que isso não é para mim”, declarou, já treinada para o mundo da diplomacia e sem entrar em polêmicas. “Os Jogos trazem as pessoas juntas”, se limitou a dizer. Alegando que a jovem tinha uma agenda “apertada”, a ONU não permitiu que a reportagem fizesse perguntas a ela ao final de uma coletiva de imprensa.
Uma de suas próximas viagens será para o Japão, que receberá a Olimpíada de 2020. Mas questionada pela imprensa japonesa sobre o fato de o governo asiático ser um dos mais refratários a receber refugiados, ela também não entrou em detalhes.
Yusra também evitou falar do debate interno na Alemanha, com parte da população contrária à entrada de estrangeiros e uma opinião publica dividida. Mas deixou claro que quer mostrar e difundir a ideia de que “refugiados são humanos”. “Vamos ficar fora da política”, pediu o porta-voz do alto comissário da ONU, Ahmed Fawzi, mais cedo.
A ONU, porém, aposta em sua história que comoveu o mundo. Ela nadou como se não houvesse outra razão de viver senão a de chegar ao outro lado. Não se tratava de uma competição, nem da busca por um lugar no pódio. Mas da travessia do mar entre a Turquia e a Grécia. Yusra chegou até a Alemanha em 2015, percorrendo o mesmo perigoso caminho que milhares de pessoas atravessaram fugindo da guerra. Nas mesmas águas que ela nadava, muitos de seus compatriotas naufragaram.
Junto com sua irmã, Sarah, ela entrou num barco inflável na Turquia em agosto de 2015 rumo às ilhas gregas. No Mar Egeu, porém, a guarda costeira turca tentou evitar que eles continuassem a viagem e o barco teve de voltar para a Turquia. Numa segunda tentativa, o motor da embarcação quebrou depois de 30 minutos de trajeto, deixando o grupo à deriva.
As duas irmãs, por saber nadar, optaram por pular do barco e, com as cordas do bote nas mãos, ajudaram a guiar os refugiados até a ilha de Lesbos. Naquela noite e em plena escuridão, nadaram por mais de três horas e ajudaram a salvar 20 pessoas da guerra e de um eventual naufrágio. Quando chegaram à ilha grega, não tinham nada mais que a roupa do corpo.
Alguns meses depois, as duas irmãs chegaram até a Alemanha e um grupo local, sabendo de suas qualidades como nadadoras, as inscreveram num dos clubes locais, o Wasserfreunde Spandau 04, de Berlim.
A história de Yusra, a partir daquele momento, mudaria e ironicamente se contrastaria com a realidade. A piscina onde passou a treinar havia sido construída à pedido de Adolf Hitler para os Jogos de 1936 e onde exclusivamente alemães eram treinados para mostrar ao mundo a superioridade da raça ariana. Sua presença na piscina ainda era um recado claro a diversas cidades alemãs que, diante do fluxo de 1,1 milhão de refugiados, instaurou regras para impedir que refugiados usem piscinas públicas.
A síria acabou sendo escolhida para fazer parte do time de refugiados do COI, formado por sírios, iraquianos, iranianos, sudaneses e congoleses que, nos últimos anos, abandonaram seus países por conta da guerra. Eles não representaram seus países de origem, mas o exército de 60 milhões de pessoas que vivem como refugiados pelo mundo.
Mas sua entrada no estádio da cerimônia de abertura foi um dos momentos mais importantes dos Jogos. A equipe foi a penúltima a entrar no desfile, aplaudida de pé pelo Maracanã e logo antes do time brasileiro.
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