Há 7 anos do incêndio na Boate Kiss, cultura da prevenção ainda é desafio

  • Por Camila Corsini
  • 27/01/2020 08h00 - Atualizado em 27/01/2020 08h13
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Fernando Frazão/Agência Brasil Fernando Frazão/Agência Brasil Após a tragédia, na teoria, as leis de fiscalização das casas noturnas foram endurecidas; na prática, as coisas não mudaram muito

Desde o dia 27 de janeiro de 2013 a cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, nunca mais foi a mesma. As chamas que tomaram a Boate Kiss, onde mais de mil jovens se divertiam, deixaram marcas profundas não só nas vítimas e familiares — mas também por todo o Brasil.

Na ocasião, uma festa organizada pelos cursos de Pedagogia, Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) acontecia no local. A capacidade máxima de lotação da casa era de 691 pessoas.

O incêndio começou após um integrante da banda Gurizada Fandangueira acender um Sputnik – artefato pirotécnico proibido em ambientes fechados. O fogo entrou em contato com o revestimento acústico do teto e paredes — o que provocou as chamas e a fumaça — e o pânico tomou conta do ambiente.

Muitos dos jovens tentaram fugir pelo banheiro, já que a casa não tinha saída de emergência. Isso provocou tumulto e até mesmo pisoteamento.

Na data, 235 pessoas morreram e 680 ficaram feridas. Outras sete vítimas vieram a óbito meses depois, ainda em decorrência dos problemas com a fumaça inalada.

Cultura da prevenção

De acordo com o especialista em incêndios Carlos Henrique dos Santos, da Sprink, houve três tipos de mortes: em média 0,8% das pessoas foram queimadas; 15,7% pisoteadas, devido ao pânico gerado; e 83,5% asfixiadas, devido a fumaça tóxica.

“Está estatística nos mostra a grande importância do controle de fumaça em caso de fogo. É necessário que existam exaustores ligados ao sistema de detecção de incêndio — além de treinamentos periódicos de prevenção, combate e pânico a fim de criar uma cultura preventiva.”

Após a tragédia, na teoria, as leis de fiscalização das casas noturnas foram endurecidas. Porém, na prática, as coisas não mudaram muito.

Depois do que aconteceu, duas leis foram criadas — uma a nível estadual e outra a nível nacional.

Até a ocasião, não existiam, no Rio Grande do Sul, leis que estabeleciam e reuniam as normas de “Segurança, Prevenção e Proteção contra Incêndios”. Com esse objetivo foi criada a Lei Kiss gaúcha 14.376/2013, que complementou novas normas às já existentes. 

Já o Congresso, mais tarde, se mobilizou para aprovar uma regra a nível nacional. A Lei 13.425/2017 estabelece diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndios e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público — além de nortear os Estados e municípios a criarem suas próprias leis, normas e fiscalizações.

Para o especialista em incêndio Carlos Henrique dos Santos, a grande relevância das leis atualmente é o item que trata como obrigatória a inclusão de disciplinas de “Prevenção, Combate a Incêndios e a Desastres” nos cursos de Engenharia, Arquitetura, Tecnólogos e no Ensino Médio correlatos para criar a chamada cultura da prevenção.

“A obrigatoriedade de alvarás e o fato de não haver proibição do uso de comandas individuais são aspectos que ainda dão espaço para muitas brechas na lei. Entre estas podemos citar o fato de o Corpo de Bombeiro Militar, de todos estados do Brasil, ainda carecer de recursos humanos suficientes para fiscalizar e manter ações necessárias. Da mesma forma ou até pior, carecem as prefeituras municipais.”

De acordo com ele é necessário também que haja uma supervisão no que tange a análise de risco, fiscalização rotineira e treinamentos em todos os empreendimentos “pois não existe risco zero” e esses precisam serem avaliados, mitigados e terem medidas de controle constantemente.

‘Prevenção é investimento’

Para Flávio Silva, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, muitas coisas ainda precisam mudar no ponto de vista legislativo.

“Eu ouvi justificativas das mais mesquinhas que poderia ter ouvido da boca de políticos e representantes de algumas entidades para que houvesse prorrogação e vetos. Eles estão legislando em causa própria. Enquanto eles não se conscientizarem que prevenção é um investimento e não uma despesa, a coisa está perdida.”

Na tragédia ele perdeu a filha Andrielle Righi da Silva, que comemorava o aniversário de 22 anos com as amigas.

“Muitos políticos que quiseram posar como ‘pai da lei’ na época da tragédia foram os mesmos que quiseram puxar o tapete em relação as flexibilizações. Eles tiraram delas as coisas de mais importante que tinha. Eles criaram as leis para aparecer na foto e, mais tarde, foram cobrados por quem os sustenta”, finalizou Flávio.

Acusados

No dia 17 de janeiro foi anunciado que os acusados como culpados pela tragédia vão a júri popular a partir de março.

Luciano Augusto Bonilha Leão, Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Londero Hoffmann vão a júri popular no dia 16. Já o julgamento de Elissandro Callegaro Spohr ainda não tem data marcada.

Mauro e Elissandro eram sócios da Boate Kiss. Marcelo e Luciano faziam parte da banda Gurizada Fandangueira. Eles foram denunciados por homicídio duplamente qualificado — motivo torpe e emprego de meio cruel 242 vezes.

Eles também respondem pela tentativa do mesmo crime por mais 636 vezes, que é o número de sobreviventes identificados.

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