Apreensão de cocaína nos portos do País tem o maior volume em dez anos

  • Por Estadão Conteúdo
  • 21/07/2018 08h29 - Atualizado em 21/07/2018 08h32
Divulgação/Receita Cocaína encontrada em bagagem de leveduras no Porto de Santos

As apreensões de cocaína em 2018 nos maiores portos do País já são as mais volumosas dos últimos dez anos. Do início de janeiro até anteontem, a Polícia Federal e a Receita Federal flagraram, em média, 66 quilos da droga por dia. O material é achado escondido em contêineres ou nos navios, a maioria com destino à Europa – pelo menos 28 operações somaram 13,8 toneladas retiradas de circulação. Durante todo o ano passado, foram 17,6 toneladas de droga apreendidas nos portos – média de 49 quilos por dia.

Especialistas apontam que o aumento nas apreensões, que começou a ser notado a partir de 2016, indica atuação mais qualificada das forças policiais, com trabalho de inteligência, mas também que as facções criminosas, em especial o Primeiro Comando da Capital (PCC), têm atuado com mais intensidade para escoar o produto ilegal e manter seu ritmo de crescimento.

Das 13,8 toneladas apreendidas até esta semana, 10,1 toneladas foram encontradas no Porto de Santos, o maior do País. Apesar da concentração em Santos, a localização de cocaína nos portos também cresceu em Paranaguá (Paraná) e no Rio. No porto paranaense, as 2,1 toneladas encontradas neste ano são a maior quantidade já apreendida no local na década. O mesmo vale para a 1,5 tonelada apreendida no porto fluminense.

Ao longo dos anos, as operações no porto paulista têm encontrado os maiores volumes da droga. Enquanto em 2015 os órgãos de segurança haviam flagrado 1,4 tonelada, em 2016 o número passou para 10,6 toneladas. O crescimento foi confirmado no ano passado: 12,1 toneladas ao longo dos 12 meses.

Como é feita a fiscalização?

Os terminais do litoral paulista movimentam anualmente cerca de 110 milhões de toneladas de mercadorias. O grande volume de trânsito é apontado como um dos fatores para o Porto de Santos ser o escolhido por quadrilhas para transportar drogas, com o objetivo de ficar menos sujeitas a fiscalização.

“É impossível fiscalizar todos os contêineres. O que fazemos é montar um perfil de carga suspeita com base em informações do exportador, do destino, além de usar imagens de scanner que podem indicar a presença da droga”, disse o auditor fiscal Oswaldo Souza Dias Júnior, chefe da Equipe de Repressão (Eqrep) da Alfândega de Santos.

Ontem, uma equipe da Receita Federal inspecionou dois contêineres, com base em alertas feitos por analistas do scanner O raio X mostrava um material com densidade diferente no meio da carga. Em um ambiente monitorado por dezenas de câmeras, um dos funcionários do terminal rompeu o lacre e abriu uma das portas para que Dixie, uma pastora alemã de 6 anos, iniciasse a inspeção.

Anteontem, ela já havia se sentado em frente a uma das grandes caixas de metal, sinalizando que havia farejado droga. Ao desembarcar a carga de soja, os inspetores constataram que 13 sacas de 50 quilos não carregavam o produto, mas sim cocaína.

Nos poucos minutos que Dixie ficou na frente dos contêineres ontem, não houve nenhum indicativo. Ainda assim, metade da carga de cascas de limão desidratadas exportadas pela Argentina foi retirada para checagem. Com um equipamento de metal, a funcionária da Receita furou várias sacas e confirmou que se tratava do produto indicado na embalagem. Reparou o furo com uma fita e liberou a carga para a exportação.

Para onde vai a carga?

A droga tem sido destinada, sobretudo, para portos europeus. Neste ano, cocaína foi encontrada em seis oportunidades em contêineres que fariam baldeação ou tinham como destino final o porto da Antuérpia, na Bélgica. A recorrência de casos já fez com que policiais federais belgas viessem a São Paulo, em abril, para discutir estratégias de combate ao tráfico com as autoridades brasileiras.

Delegado da Polícia Federal com cinco anos de atuação no Porto de Santos, Ciro Tadeu Morais disse ao [ ]Estado[/ ] que o local é “um funil da droga produzida nos países andinos”. Para ele, é “evidente” a grande participação de membros do PCC nos crimes cometidos no porto paulista. O delegado destaca a logística oferecida pelo grupo para tentar facilitar o cometimento do crime.

“O estivador que vai lá e auxilia na inserção da droga não necessariamente é um membro do PCC, mas a pessoa que o cooptou sim. A facção fornece a estrutura para que a droga entre fácil no País e saia para a Europa”, disse.

Como a droga é escondida?

A Receita Federal estima que em 95% dos casos a técnica usada pelos traficantes seja a chamada “rip-off loading”. Sem conhecimento do proprietário, a carga é desviada para a “contaminação”, como denominam os fiscais, momento no qual o lacre é rompido ou a estrutura do contêiner é alterada para a inserção da droga.

“Tanto o exportador como o importador não têm conhecimento que isso acontece. Trabalhadores como motoristas ou estivadores são cooptados para participar do esquema e auxiliar nessa inserção”, explica o auditor Oswaldo Júnior.

Além das atividades de rotina de fiscalização, como as inspeções por scanner, há ainda as investigações conduzidas pela Polícia Federal para tentar identificar toda a cadeia do esquema: da entrada da droga no País ao comprador estrangeiros. Em setembro do ano passado, a PF deflagrou a Operação Brabo, que resultou na prisão de mais de uma centena de envolvidos com a exportação de cerca de seis toneladas de cocaína pura para a Europa. Os acusados estão sendo processados pelo crime de tráfico internacional de drogas.

“Nas apreensões de rotina, o que se consegue é atingir os últimos personagens dessa ação criminosa, que são figuras de menor expressão que colocaram a mão da massa, como algum tripulante do navio ou motorista que abriu o contêiner. Hoje, essa atividade está segmentada e eles sequer sabem que os arrigementou. Os executores não conhecem toda a estrutura”, disse o delegado Ciro.

Há aumento de produção da droga, diz órgão da ONU

Um outro fator que explica o aumento nas apreensões é o crescimento da produção de coca nos países vizinhos. De acordo com o representante no Brasil do escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (UNODC), Rafael Franzini, o patamar de produção alcançado atualmente é um “recorde histórico”. “Não se pode falar da situação do Brasil sem ser observado o contexto mundial. Nosso informe mostrou o aumento na produção de cocaína, que com certeza tem reflexo nas apreensões”, disse.

Nas estimativas do órgão, a área cultivável nos países vizinhos é capaz de produzir cerca de 1,4 mil toneladas anualmente. O representante fala ainda sobre a importância da capacidade da polícia em reprimir de forma qualificada a atuação das facções. “Essas organizações são empresas criminosas com atuação no mundo inteiro. As mais organizadas vão conseguir atuar de forma distinta e é importante que a polícia tenha o conhecimento dessas tendências para reagir melhor”, explicou Franzini.

Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Márcio Christino classifica o aumento nas apreensões como “previsível”. “O corredor entre o produtor, o exportador e o consumidor final se solidificou há cerca de dois anos. O fluxo da droga, vinda da Bolívia, começou a aumentar e vai continuar aumentando, em razão do cartel que se formou, com protagonismo do PCC”, disse. Por Marco Antônio Carvalho. De Estadão Conteúdo.

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