‘Aprovação não é cheque em branco para a ozonioterapia’, alerta diretor da AMB; entenda riscos
Prática tem sido vendida como tratamento para diversas doenças para as quais não tem comprovação científica, explica o Dr. José Eduardo Dolci ao site da Jovem Pan
No início deste mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei nº 14.648, que autoriza sob determinadas condições a ozonioterapia como tratamento complementar de saúde. A decisão criou polêmica no campo da medicina porque a terapia realizada com ozônio tem ganhado interesse popular e sido vendida como tratamento para diversas doenças. No entanto, boa parte dos seus possíveis benefícios ainda carece de comprovação científica, motivo pelo qual o Ministério da Saúde tinha recomendado ao presidente vetar a lei. Vale destacar que os equipamentos geradores de ozônio estão regularizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso restrito em tratamentos odontológicos (em cárie dental e cirurgias) e procedimentos estéticos de assepsia e limpeza de pele, como destaca o diretor científico da Associação Médica Brasileira (AMB), Dr. José Eduardo Dolci.
“Os equipamentos aprovados para uso medicinal são exatamente os mesmos que a Anvisa aprovou lá em 2018, que é para uso em odontologia, para tratamento de afecções dentárias com bactérias e também para parte estética de pele, e principalmente para tratamento de feridas com contaminação, para queimados. Isto realmente está aprovado pela Anvisa, é seguro o uso nessas circunstâncias e é exatamente isso que diz a lei que foi regulamentada agora no começo de agosto (…) Para isto, o ozônio é seguro e nós não temos absolutamente nada contra, desde que seja usado com esses critérios, com equipamentos aprovados, com profissionais treinados”, afirma Dolci.
O diretor da AMB explica que a entidade, juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM), tem condenado o uso indiscriminado da ozonioterapia em tratamentos que não têm aprovação da Anvisa ou comprovação científica. Nestes casos, normalmente o gás, que tem propriedades corrosivas e é altamente reagente, é bombeado para dentro do corpo pelo ouvido, pela vagina ou pelo reto. Também existem injeções e o procedimento de tirar o sangue, misturar com ozônio e injetar de volta. Para Dolci, é importante destacar que essas práticas podem ser perigosas. “Existem riscos, sim. Os riscos são inerentes àquilo que você vai utilizar (…) Se você usar isso por via retal, você pode ter riscos de lesões da mucosa retal; na vagina, riscos na mucosa vaginal.”
“Se você usar para tratamento de câncer de pele, também tem os seus riscos. Existe a necessidade de deixar claro que, para cada modalidade que se diz usar, você tem um risco inerente àquilo que você vai usar. E principalmente porque isto realmente não tem apoio científico, não tem comprovação de que funciona para tudo isso que estão dizendo”, alerta. Em contraponto, a Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz) afirma que a prática “apresenta poucas contraindicações e efeitos secundários mínimos, quando indicada e realizada corretamente, por profissional médico ou dentista e equipe multidisciplinar com formação adequada”. No site da Aboz, ainda há menção a doenças nas quais o tratamento com ozônio seria indicado, mesmo sem regulamentação pela Anvisa ou aprovação do CFM, como “dores e inflamações crônicas (hérnia de disco, artroses de joelhos), infecções variadas (hepatites e herpes), feridas e queimaduras, bem como problemas vasculares”. A associação ainda ressalta que a aplicação de ozônio tem sido recentemente ampliada para “tratamento de autismo, derrames cerebrais isquêmicos, esclerose múltipla e como terapia de suporte para tumores malignos”.
Tais recomendações são repudiadas pelo Dr. José Eduardo Dolci. “As pessoas estão usando isso para tratamento de pele, para evitar ou para diminuir o envelhecimento, para tratamento de câncer, etc. Realmente não faz sentido e a gente precisa realmente ficar muito atento a isso, porque a aprovação desta lei não é um cheque em branco para que se use a ozonioterapia em tudo.” Apesar das críticas, o diretor da Associação Médica Brasileira não vislumbra a possibilidade de revogação da regulamentação sancionada pelo presidente. “Eu não vejo isso como uma hipótese viável nesse momento, de forma nenhuma. Mas também não vejo, a não ser por vias erradas, impacto dessa aprovação. A lei aprovada é bem clara: o uso deve ser feito com equipamentos aprovados pela Anvisa e para aquilo que a Anvisa já determinou”, reforça.
“Se você imaginar que as pessoas vão cumprir o que está escrito, eu não vejo impacto nenhum, até porque, na minha opinião, na opinião da Associação Médica Brasileira, isso não deve ser legislado através do Executivo ou através do Congresso. Esse tipo de coisa tem que ser feita pela forma científica. A aprovação deve ser feita através da comunidade científica, e não através de lei”, critica. Para o especialista, o maior problema da aprovação é o incentivo a práticas que não são comprovadas pela ciência. “O risco é que isso se transforme numa narrativa de que pode se usar para tudo. E aí começa a ter anúncio de que pode usar isso em tudo. Em clínicas para não envelhecimento, para tratamento de câncer, para tratamento de diabetes, para tratamento de Covid. E, na verdade, não é isso.”
A Associação Brasileira de Ozonioterapia emitiu nota assinada pelo presidente da instituição, Dr. Antônio Teixeira, para se posicionar sobre a aprovação da lei que regulamenta a prática nos sistemas público e privado de saúde. O comunicado destaca que a terapia já é regulamentada em países como Portugal, Espanha, Itália, Rússia, Emirados Árabes, Cuba, China e também vários Estados estadunidenses. O presidente da Aboz celebra a nova legislação e a caracteriza como “um grande avanço para a saúde de toda a população brasileira”, pois permite a fiscalização e definição dos direitos de atuação dos profissionais que aplicam a ozonioterapia.
“Sem a existência de uma legislação específica, o que vinha acontecendo no Brasil era o crescimento da utilização clandestina da ozonioterapia à margem do rigor científico e de segurança”, afirma Teixeira. A nota ainda destaca que o procedimento não substitui as técnicas e tratamentos já incorporados ao sistema de saúde. Vale destacar que o posicionamento contradiz as próprias informações do site da associação, que relata o uso do ozônio para tratamento de diversas doenças, desde hérnia de disco à esclerose múltipla. O presidente destaca que “a Aboz é contrária à indicação da ozonioterapia para diversas patologias que necessitam ainda de estudos comprobatórios mais robustos”.
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