Bolsonaro exonera todos os peritos de órgão que fiscaliza tortura em cadeias

  • Por Jovem Pan
  • 12/06/2019 08h30 - Atualizado em 12/06/2019 08h36
Folhapress Trabalho dos 11 profissionais do órgão consiste em fiscalizar unidades públicas onde haja privação de liberdade, como cadeias e centros terapêuticos

O presidente Jair Bolsonaro exonerou, nesta terça (11), todos os 11 peritos que fazem parte do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura (MNPCT). A medida foi feita através de decreto e as vagas do órgão serão preenchidas por voluntários.

“A rigor houve a extinção do órgão”, disse o perito José Ribamar Araújo e Silva. O trabalho dele e dos outros profissionais consiste em fiscalizar unidades públicas onde haja privação de liberdade – desde cadeias e delegacias até hospitais de internação compulsória -, realizar diagnósticos e recomendar ações, nem sempre acatadas pelos governos estaduais.

O ato presidencial, de acordo com fontes que atuam na área, contraria as indicações feitas desde o início do ano pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), ao qual o órgão é vinculado e, na prática, inviabiliza as atividades do mecanismo.

O MNPCT foi criado em 2013 como braço em campo do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura e faz parte do acordo para adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual o País é signatário desde 2007.

O caso mais notório de ação do MNPCT é um relatório de janeiro de 2016 no qual apontava risco de chacina em presídios de Manaus (AM). Um ano depois, 56 homens foram assassinados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, na capital amazonense. No dia 26 de maio deste ano outras 55 pessoas foram mortas numa guerra de facções em presídios do Estado.

Além de não receber salário, os voluntários não podem ter vínculos com “redes e a entidades da sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa, a entidades representativas de trabalhadores, a estudantes e a empresários integrantes do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT)”.

Em nota divulgada no final da tarde, os integrantes do mecanismo disseram que o decreto “acaba com a autonomia e as condições de funcionamento” do órgão e acusa o governo de agir “em nítida retaliação à atuação desses órgãos (MNCPT e CNPCT) que, incansavelmente, vêm denunciando práticas sistemáticas de tortura nos locais de privação liberdade em todo Brasil, notadamente, nos recentes relatórios referentes a Comunidades Terapêuticas, aos Massacres no Sistema Prisional do Rio Grande do Norte, Roraima, Amazonas e de atuação irregular no Ceará da Força Tarefa de Intervenção Federal do Ministério da Justiça”.

A ONG Human Rights Watch, também em nota, diz que “na prática, o decreto não só enfraquece como pode inviabilizar a atuação do mecanismo, pois dependerá da atuação de voluntários que, além disso, não poderão ter vinculação com organizações da sociedade civil e acadêmicas que atuam na área do combate à tortura”.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) apresentou um decreto parlamentar que tenta sustar os efeitos do ato presidencial e pediu que a proposta seja votada em regime de urgência. “É muito grave que tenhamos na Presidência da República alguém que estimula a tortura.”

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) pediu à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a abertura de ação para declarar o decreto inconstitucional.

Em nota, o MMFDH negou que haja um desmonte. “O MNPCT permanece ativo, sem quaisquer prejuízos ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (…) sendo responsável pela prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes e o apoio técnico, financeiro e administrativo, necessário ao funcionamento.”

Estadão Conteúdo

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