Estudo do Incor vai testar uso do canabidiol no tratamento da Covid longa no Brasil

Infecção pelo coronavírus provoca ‘tempestade inflamatória’ por ser uma doença sistêmica; entenda por que apostar no CBD é promissor

  • Por Camila Corsini
  • 21/08/2021 10h00
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Unsplash Canabidiol Estudo do Incor com a empresa canadense Verdemed já está todo planejado, escrito e com a medicação aguardando os próximos passos

Que os derivados da Cannabis sativa, como o canabidiol (CBD), possuem diversos efeitos terapêuticos comprovados cientificamente boa parte dos médicos do Brasil e do mundo já sabe. Indicado principalmente para casos de epilepsia refratária e autismo, pesquisadores brasileiros do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo vão testar a substância CBD no tratamento da Síndrome pós-Covid, também conhecida como Covid longa. Será o primeiro estudo neste sentido no mundo, realizado com mil pacientes, e vai contar com outros hospitais e institutos de pesquisa públicos e privados pelo Brasil. No início da pandemia da Covid-19, os médicos se depararam com um vírus capaz de ir muito além de uma síndrome respiratória comum. Desde então, ela é considerada uma doença sistêmica.

“Quando a gente fala que a Covid-19 é considerada uma doença sistêmica, isso significa que ela pode acometer qualquer outra parte do corpo e não só os pulmões, a parte respiratória, como foi inicialmente identificado. Ela pode acometer outros órgãos e sistemas responsáveis por diversas funções do nosso organismo”, explica a infectologista Renata Bortoleto, COO da Medlink Tecnologia. Com isso, os médicos perceberam que alguns pacientes apresentavam sintomas além da fase mais crítica da infecção. “A Covid longa é um termo usado para explicar os casos de pessoas que têm complicações e sequelas pós-agudas da Covid. Elas têm um quadro de menor duração, com sintomas mais intensos, geralmente respiratórios, e isso se resolve, mas depois podem ter complicações e sequelas que podem durar semanas e meses”, completa Bortoleto.

De acordo com um estudo da University College London (UCL), publicado na The Lancet, realizado com 3.762 pessoas de 56 países, 91% dos pacientes precisam de mais de oito meses para se recuperar da Covid longa. Foram mais de 203 sintomas relatados, relacionados a dez sistemas diferentes do organismo. Alguns deles são: fadiga, fraqueza muscular, ansiedade, depressão, dores de cabeça, distúrbios do sono, entre outros. Segundo levantamento realizado pela Fair Health com 2 milhões de americanos infectados pela Covid-19, cerca de 23% deles retornaram ao médico um mês após o diagnóstico com queixas de sequelas. Algumas delas são decorrentes da persistência de uma resposta imunológica exagerada do corpo, o que causa um desequilíbrio da produção de proteínas do sistema imunológico.

O cardiologista do Incor, Edimar Bocchi, um dos coordenadores do estudo, chamou essa reação de “tempestade inflamatória”. Por ser reconhecido no mundo como um anti-inflamatório, é exatamente neste ponto que o CBD vai agir. Acredita-se que, assim como em outras doenças, o canabidiol pode ser capaz de equilibrar as citocinas — as proteínas que regulam a resposta imunológica. “Não existe nenhum outro estudo no mundo  a respeito de canabidiol nesta doença crônica. Mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou o tratamento da Covid longa como prioridade, pela alta incidência dela. Como o CBD foi provado como um anti-inflamatório em outros modelos, existe uma razão para utilizar nessa população”, explica Edimar. No mundo, alguns médicos já testam o medicamento em seus pacientes e os resultados são positivos. Ele destaca que algumas sequelas da Covid longa, como a fadiga, comprometem a qualidade de vida dos pacientes. Por isso, a necessidade de tratamento é urgente.

“O mais importante é que, até agora, não tem nenhuma terapia aprovada com benefício nessa atuação. Estão sendo testadas várias medicações, mas não existe nada que possa tratar essa sintomatologia que é frequentemente debilitante. O que se tem hoje é uma reabilitação multidisciplinar”, completa Edimar. A infectologista Renata Bortoleto afirma que ainda não dá para dizer que a Covid longa é reversível, assim como não há nada que comprove que não é. “Ainda é considerada uma doença nova e não tem como prever os efeitos a longo prazo. É muito importante que se tenha um programa de reabilitação para quem tem complicações e sequelas.” Ela conta, inclusive, que já começaram a sair orientações na literatura para guiar essa reabilitação e avaliar se os sintomas são realmente sequelas da Covid-19 ou indicativos de outras doenças, de acordo com cada caso particular.

O estudo do Incor com a empresa canadense Verdemed já está todo planejado, escrito e com a medicação aguardando os próximos passos. Agora, os esforços estão concentrados na finalização da captação de recursos para ser submetido à Comissão de Ética em Pesquisa, incluir pacientes e colocá-lo em prática. Como a incidência de pacientes com Covid longa é alta, a instituição não deve encontrar dificuldades neste sentido. Se as pesquisas demonstrarem resultados consistentes e favoráveis ao tratamento da doença, ela também não deve ter problemas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O fato do estudo ser desenvolvido originalmente no Brasil torna a capacidade de convencimento da Anvisa maior.

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