Ele se dizia credor, diz delator sobre propina a Eliseu Padilha

  • Por Estadão Conteúdo
  • 20/04/2017 12h46
Brasília - Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha durante coletiva de imprensa sorbe a previdência social (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Eliseu Padilha

Tabela entregue pelo delator Valter Lana, executivo da Odebrecht, à Operação Lava Jato aponta pagamento de propina de R$ 1.490.909,00, em 2010, ao hoje ministro da Casa Civil Eliseu Padilha (PMDB). Segundo Valter Lana, os valores sobre obras da Linha 1 da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. – Trensurb (São Leopoldo – Novo Hamburgo), no Rio Grande do Sul, foram repassados em sete parcelas entre julho e setembro daquele ano.

O delator narrou à Procuradoria que houve pagamento de propina também ao ex-ministro Paulo Bernardo (Governos Lula e Dilma/Planejamento e Comunicações), ao deputado Marco Maia (PT-RS) e a ex-dirigentes da Trensurb Humberto Kasper e Marco Arildo da Cunha.

Paulo Bernardo, conhecido como “Filósofo”, teria recebido R$ 934 mil em quatro parcelas entre novembro de 2009 e outubro de 2010. A tabela aponta cinco pagamentos, entre julho e novembro de 2010, no total de R$ 734 mil a Marco Maia (“Aliado”). Para Marco Arildo, com apelido “Sucesso”, teria recebido R$ 260.389,00 em quatro parcelas entre julho e novembro de 2010. Foi destinado, segundo o delator, para Humberto Kasper, o “Jornalista”, um pagamento de R$ 38.718,00 em 21 de setembro de 2010.

A Trensurb é uma sociedade de economia mista, vinculada ao Ministério das Cidades e tem por acionistas a União (99,8558%), o Estado do Rio Grande do Sul (0,1116%) e o município de Porto Alegre (0,0326%). Foi criada em 1980 e iniciou sua operação comercial em 1985.

A licitação ocorreu em 2001, mas ficou parada até 2008 por determinação do Tribunal de Contas da União, contou o delator. No início das obras, estimadas em R$ 323.977.829,28, Valter Lana disse que recebeu três demandas de propinas em diferentes oportunidades: a primeira para Eliseu Padilha, a segunda para Marco Maia, Marco Arildo e Humberto Kasper e a terceira para Paulo Bernardo. Os pedidos, segundo o delator, foram independentes e ocorreram entre o fim de 2008 e o início de 2009

O pedido de Eliseu Padilha, codinome “Bicuíra”, teria sido feito em um encontro entre Valter Lana e o peemedebista. Segundo o delator, a reunião ocorreu no escritório do ministro ou no do próprio executivo.

“Ele (Eliseu Padilha) também trouxe aqui algo em relação à licitação”, disse Valter Lana. “Ele foi ministro dos Transportes no Governo do Fernando Henrique Cardoso, que é quando aconteceu esta licitação. Ele também se dizia credor e disse que havia combinado com a empresa que se isto virasse, que teria direito, ao que me recordo, era também um porcentual maior, depois foi diminuindo. Esse eu não tenho certeza absoluta, mas disse e continuo dizendo que é alguma coisa em torno de 1% do valor do contrato.”

Trensurb

O delator relatou à Lava Jato que foi procurado pelo deputado federal Marco Maria, que tinha sido presidente da Trensurb. O parlamentar teria solicitado cerca de 0,5% do valor do contrato em propina.

“Ele (Marco Maia) me procurou, agendando uma reunião. Essa reunião aconteceu no hotel Intercity, aonde eu me hospedava, aqui na Avenida Borges de Medeiros (Porto Alegre). Ele estava acompanhado do Marco Arildo que era o sucessor dele na presidência do Trensurb. Lembro que no início da gestão do presidente Lula, o atual deputado Marco Maia foi indicado como presidente da Trensurb e depois assumiu o cargo de deputado federal na suplência de alguém e Marco Arildo assumiu (a presidência da Trensurb)”, disse.

Durante a reunião, relatou o delator, Marco Maia e Marco Arildo “demandaram propina no porcentual de 0,25% para Humberto Kasper, então diretor da Trensurb”. Segundo o delator, Marco Maia “se sentia credor pelo fato de não ter cancelado esta licitação”.

Valter Lana declarou que ficou estabelecido “participação do atual deputado Marco Maia em 0,5%, o então presidente da Trensurb, Marco Arildo, em 0,5%, e do então diretor técnico da Trensurb de 0,25% sobre o valor bruto das medições, das faturas”

PAC

A terceira demanda de propina, segundo Valter Lana, ocorreu por parte do então ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernard. O delator contou que procurou Paulo Bernardo para que a obra da linha 1 da Trensurb fosse incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

“Eu tive uns contatos com o ministro Paulo Bernardo também do Planejamento e eu o provoquei numa dessas conversas, de forma até informal, se não seria possível que esse projeto fosse incluído no PAC, já que não era um contrato lá de trás. Nessa época não foi prometido absolutamente nada, foi uma indagação”, relatou.

“O ministro, depois de algum tempo, me procurou (…) através de SMS. Era sempre assim, ele não falava por telefone. Me convocou para uma reunião, dizendo que este projeto tinha sido inserido no PAC mobilidade.”

Valter Lana declarou não saber “se o milagre foi dele (Paulo Bernardo)”.

“Esse empreendimento é um empreendimento importante para o governo federal, para o Rio Grande do Sul e para essa região metropolitana. Tenho a impressão que vários atores trabalharam por isso. Não sei se foi Paulo Bernardo, mas não quis correr o risco também com o ministro do Planejamento. Aceitei e o caso de Paulo Bernardo o porcentual é 1%”, disse.

Defesas

O ministro Eliseu Padilha disse que “confia nas instituições brasileiras, razão pela qual registra que tem certeza de que com a abertura das investigações lhe será garantida a oportunidade para exercer amplamente seu direito de defesa.”

“Paulo Bernardo nega ter feito esse pedido e informa que não teve qualquer conversa com executivos da Odebrecht para tratar da inclusão da obra no PAC. Ela foi incluída de maneira absolutamente lícita e atendendo a reivindicação da bancada federal do RS, sem qualquer participação da empresa Odebrecht”, disse, Verônica Sterman, advogada do ex-ministro.

A assessoria de Marco Maia também se manifestou. “O deputado desconhece o teor das delações mentirosas feitas pelos delatores da Odebrecht. Repudia a divulgação seletiva e vazada de supostos depoimentos. Reafirma que todas as contribuições para as suas campanhas eleitorais foram realizadas dentro do que prevê a legislação eleitoral e, declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral e aprovadas sem nenhuma restrição. O deputado também já autorizou seu advogado para que adote as providências criminais cabíveis contra aqueles que se valem da delação para, imputando falsidades a terceiros, obterem benefícios para si, escapando de suas verdadeiras responsabilidades.”

A reportagem não localizou o empresário Marco Arildo Cunha. Na semana passada, após a abertura de inquérito, Arildo se manifestou desta forma: “não são verdadeiros os fatos relatados em delação premiada, por executivos da Odebrecht, sobre suposta solicitação de recursos escusos para qualquer fim. A execução da obra de extensão da Trensurb seguiu e respeitou todas as condicionantes estipuladas pelo Tribunal de Contas da União para realização da mesma. Tenho todas as contas de minha gestão aprovadas pelos órgãos de controle. Essas são acusações injuriosas, e vou provar minha total inocência e fazer que reparem os danos de imagem e profissional que me causaram. Estou à disposição da Justiça para o cabal esclarecimento dos fatos.”

A Trensurb informou que não se manifesta em relação ao conteúdo das delações. Quanto à realização da obra em si, ela foi 100% concluída em 2015, com a finalização da atualização tecnológica dos sistemas de controle de tráfego e energia do metrô. A reportagem não localizou Humberto Kasper.

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