‘Falta coordenação nacional contra a Covid-19’, diz coordenador do Centro de Contingência de SP
Paulo Menezes espera que adoção de medidas restritivas no Estado surtam efeito entre 5 e 7 dias e pede fim das aglomerações: ‘Este comportamento não pode persistir’
O crescimento acelerado no número de novos casos de coronavírus no Estado de São Paulo tem feito o governador João Doria (PSDB) decretar medidas mais restritivas no combate à Covid-19. Desde o último final de semana, está valendo em todo o estado o “toque de restrição”, que busca limitar a circulação de pessoas entre 23h e 5h. Além disso, entrou em vigor, nesta segunda-feira, 1º, a nova classificação do Plano São Paulo – seis regiões estão na fase vermelha, estágio no qual apenas atividades essenciais podem funcionar. Na Grande São Paulo, que está na fase laranja, bares estão proibidos de abrir e os demais serviços operam com restrições de horário. Com 73,2% dos leitos de UTI ocupados em todo o Estado, as medidas visam impedir o colapso da rede de saúde.
Em entrevista à Jovem Pan, o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19, Paulo Menezes, condenou a falta de “coordenação nacional” e cobrou conscientização da população – neste final de semana, fiscais da Vigilância Sanitária Estadual interromperam um baile da terceira idade que acontecia no bairro da Penha, na Zona Leste de São Paulo. “Falta coordenação nacional e há desinformação a nível federal. Nós temos visto a defesa de tratamentos totalmente ineficazes e ataques a medidas eficazes, como o distanciamento social e o uso de máscaras. Se houvesse uma coordenação nacional efetiva e responsável, seria menos difícil enfrentar a pandemia nesse momento tão trágico”, disse. Com a adoção das medidas mais restritivas, Menezes espera que, entre 5 e 7 dias, os indicadores apontem para uma desaceleração do contágio em São Paulo. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
O número de internações por Covid-19 em São Paulo, hoje, é 15% maior do que em julho do ano passado, quando atingimos o primeiro pico. Por que isso ocorre? Em julho do ano passado, enquanto tínhamos o crescimento de casos e de internações no interior, havia queda progressiva na Grande São Paulo. A curva subia no interior, mas descia na Grande São Paulo, que representa metade da população do Estado. Agora, temos uma situação de crescimento em todas as regiões. É mais intenso no interior, mas também na Grande São Paulo. A única exceção, mas já com sinal de crescimento, é a Baixada Santista. Outro ponto é velocidade: na última semana, a velocidade aumentou de uma forma que não tínhamos visto naquele período do ano passado. Se isso está associado à nova variante ainda não dá para dizer. Ela está circulando, mas ainda não temos dados para poder dizer que ela é responsável por esse cenário atual.
Os dados dos últimos dias já refletem o que ocorreu no Carnaval ou é possível que tenhamos um crescimento ainda maior dos casos e das internações? Os números já refletem o que vimos no Carnaval, sim, mas, além disso, também temos visto a persistência da aglomeração desde o Carnaval. Nesse final de semana, foram muitos os eventos clandestinos, as lanchonetes abertas fora do horário permitido. O caso mais bizarro foi uma festa da terceira idade. Me pareceu o baile da saudade, o baile do adeus. Esse tipo de comportamento social não pode persistir. Tivemos aglomerações no Carnaval, mas de lá para cá continuamos a ver o comportamento persistente de aglomerações e desrespeito aos protocolos.
Em quanto tempo as medidas adotadas pelo governo de São Paulo podem surtir efeito positivo? Espero que algum nível de melhora comece a ser sentido após 5 ou 7 dias. O toque de restrição foi iniciado no final da última semana, a reclassificação entrou em vigência hoje. É possível e espero que ao final desta semana a gente tenha uma desaceleração. A reclassificação já dá uma sinalização para a sociedade de que a situação não está nada boa. A minha perspectiva é poder, na semana que vem, ter uma situação de crescimento menor da velocidade dos casos e conseguir superar essa possibilidade do esgotamento dos leitos. São dois os movimentos: expandir a capacidade de leitos, as medidas restritivas e apostar na comunicação com a população.
Há mais de um ano autoridades de saúde elaboraram estratégias para combater a Covid-19, mas ao mesmo tempo a população insiste em minimizar os riscos da doença. Na avaliação do senhor, por que isso ocorre? Falta coordenação nacional e há desinformação a nível federal. Nós temos visto a defesa de tratamentos totalmente ineficazes e ataques a medidas eficazes, como o distanciamento social e o uso de máscaras. Se houvesse uma coordenação nacional efetiva e responsável, seria menos difícil enfrentar a pandemia nesse momento tão trágico.
O Centro de Contingência já discute a criação de uma fase mais rígida para o Plano São Paulo. O que está sendo considerado neste momento? Quais são os critérios analisados pelo comitê? Existe essa compreensão de que, em algumas circunstâncias, como a que vimos em Araraquara e em Bauru, com mais de 90% dos leitos ocupados, talvez seja necessário ser ainda mais restritivo que a fase vermelha. A vermelha já suspende todas as atividades não essenciais, mas é possível, em uma situação ainda mais aguda, que medidas ainda mais restritivas sejam necessárias. Por isso se discute essa fase roxa. O que mudaria da vermelha para a roxa e quais indicadores disparariam a classificação da região de uma fase para outra, tudo isso ainda está sendo estudado.
Qual a diferença entre esta fase roxa e um lockdown? Eu não gosto da palavra lockdown, porque ela não define quais são as medidas a serem adotadas. Ela é utilizada com diferentes estratégias em diferentes lugares. Pode envolver um toque de recolher mais cedo, pode envolver a suspensão de atividades essenciais pelo menos em determinados períodos. Por isso, entendo que ela [fase roxa] vai ser mais restritiva [em relação à vermelha] porque poderá mexer em atividades essenciais, como funcionamento de postos de gasolina e farmácias, por exemplo.
De que maneira o colapso nacional afeta o planejamento de um Estado? Não há para onde correr. Os hospitais da capital, os particulares, já têm em torno de 40% internados que não são residentes do município de São Paulo. Há uma boa proporção que vem de outros Estados. Isso vai acontecendo também nos hospitais que atendem o SUS. Na medida em que a gente vê a situação dos Estados do Sul, de Goiás, do Centro-Oeste, vemos que não há para onde correr. Não tem para onde ir. O Estado fica sem condição de ajudar o outro. Aqui em São Paulo estamos em um momento de muita preocupação, há leitos disponíveis mas estão sendo rapidamente ocupados. Por isso, é preciso movimento nacional. A carta do Conass é fundamental. O governo federal precisa agir urgentemente.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.