‘Feudos’ mantêm vereadores no poder
A cada quatro anos, a maior metrópole da América do Sul ganha características de vilarejo. Bairros são transformados em “feudos” na busca por votos. Quem domina a região faz do eleitor um “cliente” ou quem representa uma categoria tem mais chance de conquistar ou manter uma vaga na Câmara Municipal. As práticas assistencialistas, comuns nos rincões do Brasil, asseguram mandatos aos vereadores e a permanência por até 28 anos no poder.
Os “coronéis” paulistanos somam ao menos cinco legislaturas. Wadih Mutran (PDT) é o recordista individual. O “dono” da Vila Maria, na zona norte, tenta o nono mandato consecutivo nestas eleições, entre vagas diretas e suplências – quando a contagem inclui integrantes de uma mesma família, os Hato passam na frente.
Famoso por distribuir cadeiras de rodas e levar eleitores a hospitais em sua própria frota de ambulâncias, Mutran defende o direito de ajudar as pessoas. “Agora não dá mais para fazer campanha. Tudo é compra de votos”, reclama.
Aos 80 anos, o último defensor do malufismo na Casa nem pensa em se aposentar. Afirma trabalhar duro, tanto no escritório político que mantém no bairro como no gabinete. “Eu tento atender a todas as demandas que chegam até mim, se não consigo atendê-las dentro do serviço público, procuro empresas privadas e parceiros”, afirma. “Quem fala que isso é assistencialismo é porque é rico”.
O petista Arselino Tatto e o tucano Gilson Barreto dividem a segunda posição no ranking, com sete mandatos cada. Cada um atua em uma área. Tatto comanda a região da zona sul que vai da Capela do Socorro, onde mora, a Parelheiros. Barreto tem reduto em São Mateus e Itaquera, na zona leste.
À beira da Represa do Guarapiranga, o domínio do petista é tamanho que a região é conhecida como “Tattolândia”. Lá, Arselino e os irmãos Jair, também vereador, e Jilmar, secretário municipal de Transportes, são constantemente abordados por moradores, que pedem de tudo, desde vaga em creche a médico, ônibus e asfalto na rua.
“O vereador tem a obrigação de fazer um pouco de assistencialismo. Tem de ver as necessidades da população. O povo renova o nosso contrato a cada quatro anos, mas cobra, pede reunião para saber o que estamos fazendo. Está certo. A gente tem de estar presente nos bairros e não só na época da eleição”, diz Tatto, que é líder do governo Haddad na Câmara.
Pisar no barro e tomar muito cafezinho na padaria estão na base do sucesso eleitoral de Barreto. Ligado ao Rotary Club e diretor do movimento escoteiro, o tucano promove todos os anos um mutirão da catarata, onde fideliza os eleitores. Se o assistencialismo é um problema para ele? “Ainda bem que os vereadores fazem isso. O poder público é inoperante. O assistencialismo entra para preencher essa lacuna”, diz.
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, as oligarquias políticas da Câmara só perderão espaço quando a política pública for transparente. “Essa é a única maneira de se evitar que vereadores se perpetuem atendendo a pedidos de vaga em creche ou consulta médica, por exemplo”, afirma.
Samba e futebol
Apoiar o futebol de várzea de São Paulo hoje é quase obrigação entre os vereadores. Dalton Silvano (DEM), no quinto mandato, afirma que foi ele quem “aprimorou a tática”. Ele tem aplicado uma parte relevante dos recursos de suas emendas parlamentares na colocação de grama sintética em campinhos no Ipiranga e na Aclimação, na zona sul, onde mantém reduto. “A única exigência que faço é que no dia da inauguração eu possa jogar no time dos veteranos usando a camisa 10”, brinca.
A “sacada” da grama sintética foi tão eficaz que, segundo Dalton, os colegas têm seguido o exemplo. Um deles é o atual vereador campeão de votos: Milton Leite (DEM). Na última eleição, alcançou 104 mil. Com 20 anos de vida pública, domina o M’Boi Mirim e o Grajaú, na zona sul da cidade, onde apoia campeonatos amadores de futebol e escolas de samba. A agremiação do coração é a Estrela do Terceiro Milênio, que, em 2017, vai desfilar no Grupo de Acesso do carnaval.
Diferentemente dos demais vereadores, Leite não gosta de ser chamado de Assistencialista. Diz que faz projetos estruturais e fica contrariado quando o acusam de se valer de escolas de samba para angariar votos. “Meus projetos relacionados às escolas de samba (ele aprovou isenção de IPTU para todas) são culturais. Quem vê problema nisso é gente que acredita que cultura é só piano”, afirma.
Fé
Mais perto de Deus que do samba, Toninho Paiva (PR), 74 anos, mistura religião e política para segurar o voto dos eleitores fiéis. No sexto mandato, faz questão de dizer que foi crismado, batizado e casou na mesma igreja, a Paróquia do Cristo-Rei, no Tatuapé, zona leste.
Ao redor da comunidade católica, apoia festas e eventos. “O governo deixa muito a desejar. Por isso, às vezes, nós precisamos procurar a iniciativa privada para conseguir ajudar”, diz. E isso significa estar com o eleitorado “na alegria e na tristeza”. Paiva vai até a velório de eleitor. “Um amigo não abandona o outro amigo na hora em que ele mais precisa”.
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