Intervenção no Rio não teve resultado significativo e crime migrou para o interior, aponta relatório

  • Por Jovem Pan
  • 14/02/2019 15h36 - Atualizado em 14/02/2019 15h36
WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO Intervenção federal no Rio de Janeiro Instituída pelo então presidente Michel Temer, a intervenção terminou em 31 de dezembro de 2018

A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro foi baseada em operações militares grandiosas que, na prática, reduziram um pouco o roubo de cargas, mantiveram estáveis os registros de crimes violentos e aumentaram o número de homicídios cometidos por policiais em atividade – “um modelo a não ser seguido”.

Essa é a descrição feita em relatório final produzido pelo Observatório da Intervenção, que acompanhou os nove meses da ação do governo federal que deveria ajudar a solucionar a escala da violência no estado. O documento foi apresentado nesta quinta-feira (14), 11 meses após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), ainda sem solução.

“O Brasil enfrentará outras crises de violência e criminalidade nos próximos anos e a experiência no Rio revelou que a intervenção federal de caráter militar não deve ser copiada”, resumiu a coordenadora do observatório, Sílvia Ramos. “A medida não resolveu problemas estruturais e acentuou o caráter bélico e letal das respostas na área de segurança.”

O número de mortes violentas no estado teve redução pífia, na avaliação do Observatório: apenas 1,7% em relação ao mesmo período de 2017. Com o agravante de que a redução apresentada na capital (-9,4%) e na Baixada Fluminense (-6,5%) foi contrabalançada pela explosão da violência no interior, onde o aumento de mortes violentas ficou em 15,8%.

O movimento indica um deslocamento da atuação criminosa.

Números

Entre fevereiro e dezembro de 2018, foram contabilizadas 6.041 mortes violentas (que englobam homicídio doloso, latrocínio, morte por intervenção de agente do estado e lesão corporal seguida de morte). Deste total, 1.375 pessoas foram mortas por agentes do Estado – um número 33,6% maior do que o registrado no mesmo período do ano anterior.

No período da intervenção, 99 agentes foram mortos. A maioria deles (75,7%) era de baixa patente. Na Polícia Militar, os praças são subtenentes, sargentos, cabos e soldados. Os disparos por arma também aumentaram nos meses da intervenção: 56,6%. Os tiroteios têm impacto muito amplo e, muitas vezes, difícil de ser mensurado, dizem especialistas.

“Mortes decorrentes dos tiroteios são a ponta do iceberg. Por trás deles tem gente ferida, sendo ameaçada, criança com síndrome do pânico”, explica Sílvia. “Tiroteios interferem diretamente no cotidiano; são moradores que não podem sair para trabalhar, professores que não chegam às escolas, postos de saúde fechados, transporte interrompido.”

A melhor queda percentual de índice de violência obtida pela intervenção foi na redução dos crimes contra o patrimônio, sobretudo o roubo de cargas: 17,2%. O problema vinha paralisando a economia do Estado. No entanto, como aponta o relatório, houve aumento do roubo de carga em 19,1% em Niterói, São Gonçalo e Maricá e de 46,5% no interior.

‘Modelo não deveria ser repetido’

“Isso mostra claramente que o confronto na ponta final do crime não funciona e ainda cria efeitos colaterais, como tiroteios e balas perdidas. Eles apostaram numa resposta imediata, com operações grandiosas e midiáticas que, supostamente, produziriam uma sensação de segurança na população, em detrimento ao trabalho de investigação.”

Ainda segundo a especialista, “o que a intervenção entregou, o que a gente vê pelos números, é que não houve uma redução consistente do poder das facções e das milícias”. Para ela, a medida foi “tentativa clara e inócua” de mudar um “contexto completo”, usando “táticas antigas em vez de reformas e estruturais e políticas inovadoras.”

“É, claramente, modelo que não deveria ser repetido em situações de crise no Brasil.”

Procurados, o Gabinete de Intervenção Federal e a Polícia Civil do Rio não se manifestaram. Em dezembro, o general Richard Nunes defendeu o resultado da intervenção e disse que foi procurado para levar o modelo para outros estados. Segundo afirmou à época, o propósito era “muito mais de reestruturar órgãos” do que tratar “do dia a dia da criminalidade”.

*Com informações do Estadão Conteúdo

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