Maior representação do Carnaval de Olinda, Bonecos Gigantes fazem 34º desfile nesta terça
Historiadores explicam a origem dos personagens, suas peculiaridades e a relevância cultural deles no Brasil, além da contribuição que oferecem para o fortalecimento da identidade pernambucana
Nesta terça-feira de Carnaval acontece o 34º Desfile dos Bonecos Gigantes de Olinda pelas ladeiras do sítio histórico da cidade. O evento conta com 100 bonecos que retratam celebridades, artistas, políticos – locais, nacionais ou de fora do país – além de personagens da ficção, como de quadrinhos, videogames e do cinema, por exemplo. Além deles, os protagonistas do desfile, participam ainda do cortejo 30 palhaços de Olinda – que possuem máscaras com feições femininas – 30 passistas e seis orquestras de frevo, que conduzem o cortejo do início ao fim com música para os foliões. O tradicional desfile passou a ocorrer seis anos após a cidade ser tombada patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1982, para reforçar a tradição. Entretanto, os bonecos existem desde o início do século 20, tendo se tornando a principal representação das festividades de Momo em Olinda. É o que explica o historiador Filipe Domingues: “Podemos dizer que os Bonecos Gigantes são a principal representação do Carnaval de Olinda. É inconcebível pensar o Carnaval de lá sem eles. Já faz parte do imaginário popular. Eles fazem parte de uma identidade local. Identidade é o que caracteriza a mim e ao meu grupo. A tradição dos Bonecos Gigantes de Olinda faz parte daquilo que faz o pernambucano se sentir pernambucano”.
Criados sob referências medievais europeias, os bonecos remontam uma tradição católica de fazer procissões com figuras enormes de santos que circulavam pelas cidades. Com o passar dos anos, os bonecos foram atualizados, recebendo outras influências, até chegar no formato que são hoje. “Se fazia os bonecos dos santos e, eles peregrinavam pelas ruas das cidades medievais nas procissões. Mas, em Pernambuco, essa tradição foi trazida por um padre belga para uma cidadezinha do sertão do Estado, Belém do São Francisco, no começo do século 20. Ele fazia essas procissões com bonecos e, isso inspirou a criação de uma entidade, que é o calunga, o Homem da Meia-Noite, o primeiro boneco, também no começo do século 2o, mas já em Olinda. A partir dele, começaram a surgir outros bonecos como a Mulher do Dia e o Menino da Tarde, entre outros”, explica Domingues.
Feitos de materiais muito simples como madeira, papel, cola e isopor, os bonecos são criados atualmente para homenagear personalidades. Há referências a intelectuais como Ariano Suassuna, mas também a nomes da cultura pop, como Michael Jackson, Ana Maria Braga, Alceu Valença, e jogadores de futebol, como Neymar e Pelé. Eles também podem ser feitos para satirizar ou ironizar alguma coisa. Além disso, mesmo que sejam feitos para homenagem, podem ser entendidos como crítica pelos foliões. “A ideia primeira é homenagear. Se você está representado ali é porque você tem alguma relevância, ou na cultura pop ou cultura cult. Há [bonecos de] políticos do mais variado espectro, que vai da extrema direita à extrema esquerda. O artista perde o controle da obra, então, alguns foliões podem interpretar o boneco como uma sátira ou ironia”, argumenta o professor Domingues.
E a curiosidade por quais bonecos vão desfilar no Carnaval, quais os novos e os que são mantidos, se serão parecidos ou não com as personalidades representadas, é uma das razões que causa fascínio nos pernambucanos. A empreendedora Meire Oliveira, 65, que mora na rua do Amparo, no sítio histórico de Olinda, há 42 anos, conta que todos os anos espera para ver as novidades nas criações gigantes. “Minha relação com os bonecos gigantes é de interesse em ver as figuras que são representadas. Muitos dos nossos bonecos representam alguém da cidade, alguém importante, até alguém que não é do Brasil. Todo ano, a cada Carnaval, quero ver quais serão os bonecos novos”, diz. Ela ainda conta que, após o Carnaval, esses bonecos fazem parte do cotidiano olindense, aparecendo em diversas ocasiões e marcando a identidade da cidade: “Eles aparecem em várias ocasiões, casamentos, aniversários, funerais… basta ser uma pessoa que faz parte de algum grupo que coloca o boneco na rua [no Carnaval] ou ser alguém que deseja que o boneco esteja na festa. Para a gente é muito comum”.
Questionada sobre o tamanho dos personagens, Meire diz acreditar que eles foram feitos assim para que a população local pudesse vê-los de pontos altos, como as janelas e sacadas dos casarões. “Eu acredito que eles foram pensados como gigantes para que eles pudessem alcançar as nossas janelas, do nosso casario da cidade, pelo fato da gente morar em uma cidade que tem casarões, para a gente poder vê-los das nossas janelas, observar de pontos altos. É muito bonito ver um boneco gigante de uma sacada, de uma janela. Quando estamos embaixo, não temos a mesma visão da beleza deles. Quem vê de baixo não vê a mesma beleza. Para a gente, passa um encantamento muito grande, um boneco gigante, geralmente eles estão sorrindo, dançando entre milhares de pessoas”, afirma a empreendedora.
Mesmo que essa seja uma das razões possíveis para o tamanho dos bonecos, o também historiador Daniel Uchoa, destaca a relação subjetiva que a população de Olinda cria com esses seres gigantes: “Não é à toa que Olinda é conhecida como ‘a terra dos gigantes’. O olindense é um povo muito sofrido, inclusive pelo descaso da administração pública. É uma cidade pobre que sofre muito com intempéries, áreas de alagamentos, deslizamento de morros. São pessoas que têm uma vocação cultural e turística muito forte, mas para quem não há investimento dos governos. E, aí, essas pessoas se levantam numa representação mágica dos Bonecos Gigantes, que funcionam colocando para fora aquilo que, apesar de todo o descaso, a gente tem dentro da gente, a festa. É uma cultura de resiliência na qual ser gigante é muito simbólico. Ser gigante em um contexto em que se é pisado, diminuído, invisibilizado é uma resposta cultural e poética que o povo olindense dá a toda dificuldade histórica que enfrenta”.
Segundo o Secretário de Cultura de Olinda, Ivson da Silva Melo, o desfile desta terça-feira, 21, vai homenagear o artista plástico Silvio Botelho, que aos 66 anos de idade e 49 de carreira, criou 1.346 Bonecos Gigantes. “No próximo ano, o nosso Silvio Botelho vai completar 50 anos de carreira, de execução, de fabricação desses bonecos. Por isso, a gente convida a todos para prestigiar o desfile, que concentra no Guadalupe, e desfrutar dessa maravilha que acontece hoje. Serão 30 passistas e seis orquestrar que vão fazer o percurso, animando o folião, que esperamos que se sinta em casa”, diz Melo ao site da Jovem Pan. A concentração de foliões para o Desfile dos Bonecos Gigantes de Olinda neste ano de 2023 começa a partir das 8 horas da manhã no Largo do Guadalupe e deve sair em cortejo às 11 horas, passando pelas principais ladeiras do sítio histórico, contagiando os foliões no último dia de Carnaval.
O Homem da Meia-Noite
Apesar da primeira personagem gigante criada em Olinda, responsável por inspirar a construção dos Bonecos Gigantes da cidade, ter sido o Homem da Meia-Noite, ele não é considerado um Boneco Gigante, mas um calunga, uma criatura do candomblé que possui vida própria. A relação da população local com essa figura é diferenciada em relação aos Bonecos Gigantes. Além dele não ter sido criado para representar nenhuma personalidade política ou artística, e inclusive haver muito mistério sobre o seu nascimento, o calunga não participa do tradicional desfile que ocorre nesta terça. “Ele só sai à noite e sozinho, arrastando multidões”, lembra Meire Oliveira. Para ela, há uma relação de reverência ao calunga por parte dos olindenses. Considerado patrimônio vivo da cultura de Pernambuco, o Homem da Meia-Noite sai também como um bloco de Carnaval, sempre à meia-noite do sábado para o domingo. E há tradicional mistério sobre a roupa que ele vai usar em cada ano.
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