Mercado de luxo aposta na ‘celebração da vida’ para se reerguer no pós-pandemia

Especialistas apontam que, para o ‘novo normal’, os consumidores vão se permitir novas experiências e buscar empresas comprometidas com a sustentabilidade

  • Por Caroline Hardt
  • 19/09/2020 10h00
EFE/EPA/MURTAJA LATEEF shopping Entre as possíveis mudanças para o mercado está a ampliação do movimento de venda e aluguel de artigos de luxo usados

A pandemia da Covid-19 está impactando até o aparente inabalável mercado de luxo. Em meio às consequências sanitárias e econômicas, as marcas de alto padrão aderem a movimentos para se adaptar às exigências do novo perfil de consumidores, que estão mais engajados e preocupados com os impactos das compras no mundo. Nestas transformações, especialistas apontam a busca por significados no luxo e a aproximação das grandes marcas com produtores regionais como as tendências mais esperadas para o mercado. A emoção e o regionalismo passam a ser palavras de ordem. “Vamos olhar para o luxo e desejar que ele realmente esteja próximo de nós e que aquelas compras também façam parte da nossa história. Se o luxo conseguir se adaptar às novas realidades, trazer mais o regionalismo, teremos mais adequação ao consumidor. As compras terão mais significados.  Não vamos comprar apenas por precisar, mas porque aquilo faz sentido e porque aquele dinheiro está beneficiando outras comunidades. Então, a responsabilidade social e ambiental trará mais sentido para essa compra, e o luxo, com as adaptações, tem total autonomia para que esse movimento aconteça”, explica o professor de mercado de luxo no Instituto Superior de Administração e Economia (ISAE/FGV), Adriano Tadeu Barbosa, à Jovem Pan.

Nesse mesmo sentido, o presidente da MCF Consultoria, Carlos Ferreirinha, também enxerga a necessidade das marcas “deixarem mais claros outros valores e símbolos”, além da “venda pela venda”. O especialista aponta que, para o “novo normal”, a austeridade será como o “new black”, defendendo que os consumidores estarão “machucados”, buscando “mais emoção pelas marcas”. “Não adianta apenas falar, esse é o momento de falar com o coração e de emocionar. Não adianta apenas retomar as atividades, é necessário estimular as pessoas, que estarão com receios, para essas novas dinâmicas, para a retomada das suas vontades e desejos. Teremos cada vez mais claro outras características e símbolos importantes para os consumidores, assim como clientes mais preocupados com o meio ambiente, por exemplo. Então, os consumidores precisam de motivação e emoção para as novas compras.”

Ferreirinha acredita que, com essa postura mais sustentável e simbólica, segmentos como o da moda serão os mais pressionados para adotarem mudanças significativas. “A moda é um dos segmentos mais poluentes do mundo, é o setor que historicamente mais utilizou mão de obra escrava também. Então, o fashion já estava em débito há muitos anos, sendo cobrado para que o setor tivesse mais consciência em relação ao meio ambiente, à utilização de matéria prima que não seja tão descartável e à economia circular. Nós somos indivíduos frutos de uma evolução, e começamos a nos preocupar sobre como as compras estão impactando a nossa vida em geral. Então, esses comportamentos de consumo vão evoluindo e as marcas serão cada vez mais cobradas a respeito dessa capacidade sustentável, de dialogarem com a diversidade e com os consumidores”, explica.

No entanto, embora sejam transformações importantes, Adriano Tadeu explica que essas mudanças já estavam acontecendo no mercado internacional e foram, na realidade, impulsionadas pela crise humanitária. Segundo ele, marcas como Hermés e Louis Vuitton já “abraçavam” alguns desses movimentos, buscando garantir o tradicionalismo e a exclusividade do luxo com uma aproximação mais regionalista e simbólica, o que tende a ser algo ainda mais visto no pós-pandemia. “A união das grandes empresas com marcas locais já vinha sendo observada desde 2016. O local já tinha uma expressão na comunidade em que faz parte justamente porque ele traz o tradicionalismo e o trabalho manual, que são tão valorizados por esse mercado. O luxo vai abraçar esse regionalismo para somar significados e continuar crescendo. Então veremos lançamentos de grandes marcas já consolidadas com aproximação das pequenas, trazendo novos olhares e novas inspirações. Iremos admirar novos significados, acelerados pela pandemia“, prevê.

Assim como Adriano Tadeu, Ferreirinha também defende que a pandemia foi como um “coeficiente de aceleração” de tendências e ressalta que a transformação digital e a necessidade de se adaptar às novas dinâmicas e limitações do mercado fizeram com que empresas quebrassem antigos paradigmas. “O delivery, por exemplo, já vinha crescendo bastante, mas as resistências entre empresas, marcas e profissionais ainda eram grandes. Os bares não acreditavam no funcionamento por entrega e muitos restaurantes renomados acreditavam que aqueles pratos não eram para o delivery. Com a pandemia, o serviço de entrega passou a ser a única alternativa para o funcionamento. Então, mesmo que já fosse uma realidade, a pandemia deu uma acelerada e impulsionou a adoção do serviço de entrega para novos restaurantes, por exemplo”, explica.

Novos caminhos

Além das transformações de significados do luxo, os especialistas também projetam outras possíveis alterações para o desenvolvimento e para a dinâmica desse mercado. Entre elas, está a possibilidade da pandemia impulsionar o movimento de venda e aluguel de artigos de luxo usados. “Os tempos são outros e temos uma geração de consumidores com um novo perfil e com novos comportamentos. Alguns segmentos já permitem essa possibilidade. As pessoas estão mais dispostas, por exemplo, a alugar um avião ou um helicóptero. O luxo passa ser mais de ocasião do que de posse e cresce a percepção de que não precisa ser dono de tudo, é possível ser dono apenas naquele momento. O mundo vai se adaptando e encontrando novas verdades para o mercado”, afirma Carlos Ferreirinha.

Outra possível tendência apontada pelo executivo é o “novo olhar” das marcas para o público mais velho. Do ponto de vista dos clientes, haverá um desejo maior de celebrar a vida e a saúde. “Essa crise é, antes de econômica, uma crise de saúde. Estamos em mais de 135 mil mortos no Brasil, não podemos menosprezar a vida. Então a saúde será o novo ‘black’ porque teremos uma consciência da importância muito maior do que tivemos nos últimos anos. As pessoas vão se preocupar mais em ter saúde, porque entendemos que a chegada de um vírus poderia ter nos matado. Essa preocupação com o bem estar e com o cuidado é um marco nessa pandemia. Ao mesmo tempo, as pessoas com mais de 60 anos, que fazem parte do grupo de risco, vão sair desse momento como sobreviventes, querendo realmente celebrar a vida, o que impulsiona esse novo perfil de consumidor”, diz.

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