UBSs da zona leste de São Paulo vacinam contra a Covid-19 pessoas com miopia e astigmatismo

Unidades de saúde de AE Carvalho e Jardim Brasília aceitaram problemas leves de visão como comorbidades; PNI considera indivíduos com deficiência visual permanente aqueles que apresentam grande dificuldade ou incapacidade de enxergar mesmo com óculos

  • Por Camila Corsini e Júlia Vieira
  • 11/06/2021 19h00 - Atualizado em 11/06/2021 22h22
EFE/Marcial Guillén/Archivo Profissional da saúde retira dose da vacina contra Covid-19 de ampola com uma seringa Estado de São Paulo incluiu pessoas de 18 a 59 anos com comorbidades ou deficiência permanente em seu calendário de vacinação

Pessoas com problemas de visão leve, como miopia e astigmatismo, se vacinaram contra a Covid-19 em Unidades Básicas de Saúde da capital paulista nesta sexta-feira, 11. A reportagem da Jovem Pan confirmou que duas unidades da Zona Leste (UBS AE Carvalho e UBS/AMA Jardim Brasília) estavam imunizando pessoas com autodeclaração de miopia e astigmatismo como comorbidade/deficiência permanente. À Jovem Pan, a jovem Juliana*, de 24 anos, contou que uma amiga a avisou ontem, na quinta, 10, que pessoas com tais condições poderiam ser vacinadas. De acordo com o Plano Nacional de Imunização, são considerados indivíduos com deficiência visual permanente grave aqueles que apresentem, pelo menos, grande dificuldade ou incapacidade de enxergar mesmo com uso de óculos (se utilizam óculos ou lentes de contato, esta avaliação deverá ser feita com esses dispositivos). Na entrevista coletiva da última quarta-feira, 9, quando foi anunciada a inclusão de pessoas de 18 a 59 anos com comorbidades ou deficiência permanente que não recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), os critérios apresentados pelo governo de São Paulo foram: deficiência permanente física, sensorial (ouvir/enxergar) e intelectual que apresentarem: laudo médico que indique a deficiência, comprovação de atendimento em centro de reabilitação ou unidade especializada, documento oficial com indicação da deficiência, cartão de gratuidade do transporte público ou autodeclaração — na ausência de outro tipo de documento. 

“Uma amiga mandou mensagem perguntando se eu usava óculos e eu falei que sim, que tinha um astigmatismo bem leve, grau baixo. E ela disse que, por eu usar óculos, poderia ir no posto me vacinar. Pedi mais informações para ela, que disse que a mãe e irmã haviam se vacinado ontem na UBS, levando apenas comprovante de endereço, RG, a autodeclaração e o cartão do SUS.” Na tarde desta sexta-feira, foi a vez de Juliana tentar a sorte (e conseguir, assim como sua mãe). Aos 24 e 54 anos, as duas tomaram a primeira dose da AstraZeneca/Oxford. “Eu estava esperando a vacinação para 24 anos apenas em setembro ou outubro, como o governador anunciou. Se tivesse algum impedimento, eu acho que eles falariam. Tinha uma fila com umas 20 pessoas. A gente perguntou e a moça confirmou que era tudo bem a gente se vacinar. Ela nem pediu receita médica, nem nada. Na fila, tinha gente com outras comorbidades, pressão alta, outros tipos de deficiências. Mas, no geral, tinha gente que usava óculos e dava para ver que o grau não era tão alto assim”, relatou.

A Jovem Pan teve acesso aos comprovantes de vacinação das pessoas que se imunizaram na UBS AE Carvalho alegando problemas na visão. A reportagem também ligou para a unidade, e funcionários confirmaram a orientação, mas acrescentaram que “se a prefeitura investigar esses casos e a pessoa não conseguir comprovar a comorbidade declarada, ela poderá responder a processos judiciais”. Em relação à UBS/AMA Jardim Brasília, a orientação foi que “está liberada a imunização de indivíduos com dificuldades de enxergar mesmo com uso de óculos/lentes. Tem que levar um comprovante da comorbidade ou assinar o termo [de autodeclaração]”. Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Saúde orientou que a administração municipal fosse consultada. A Secretaria Municipal de Saúde confirmou que um instrutivo publicado nesta sexta abre margem para o grupo. O documento fala em “indivíduos com grande dificuldade ou incapacidade de enxergar, mesmo com uso de óculos”. Porém, se for constatada irregularidade na autodeclaração, a pessoa pode ser denunciada legalmente por falsificação de documento. “Caso não haja um documento comprobatório será possível a vacinação a partir da autodeclaração do indivíduo, nesta ocasião o indivíduo deverá ser informado quanto ao crime de falsidade ideológica (art.299 do Código Penal)”, disse em nota. “A SMS está avaliando a situação para que não haja prejuízo para a imunização das pessoas com deficiência permanente. Dentro do universo de imunizados, os casos de autodeclaração correspondem a cerca de 2% do grupo elegível para vacinação dos deficientes”, finalizou.

Em março de 2021, o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que classifica a visão monocular como deficiência sensorial do tipo visual. De acordo com o documento, além de terem problemas na definição de profundidade, indivíduos com visão monocular apresentam redução de cerca de 25% no campo visual. Problemas visuais como miopia e astigmatismo não são citados. Nesta semana, o secretário da Justiça e Cidadania de São Paulo, Fernando José da Costa, afirmou ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan, que as pessoas que furarem a fila da vacina contra a Covid-19 ou profissionais que aplicarem o imunizante sem atestado podem ser multados no Estado. A lei foi criada em fevereiro deste ano e, no fim de maio, o governador João Doria fez um decreto regulamentando-a e criando uma comissão especial. Agora, após a denúncia, o suspeito de cometer a infração será intimado e terá direito a apresentar defesa. A comissão vai decidir pela absolvição ou aplicação de multa, que varia de R$ 1,5 mil a R$ 98,6 mil. Além da infração administrativa, nos casos em que houver indícios de crime, o Ministério Público também será solicitado para apurar. O secretário destacou que não existe uma força-tarefa para apurar as infrações, então o papel da população em fiscalizar é essencial. As denúncias podem ser feitas, respeitando o anonimato, à Ouvidoria, pelo número de telefone 11 3291-2624 ou o e-mail ouvidoria@justica.sp.gov.br. Vale lembrar que esse decreto não vai punir as pessoas contempladas pela xepa da vacinação, que é a sobra dos imunizantes nas ampolas.

*O nome foi alterado para preservar o sigilo da fonte

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