Moradores de São Paulo reclamam do aumento do lixo nas ruas
Para a urbanista Helena Degreas, situação demonstra uma incapacidade do poder público de gerir os resíduos sólidos descartados, gerando problemas na acessibilidade e no turismo
Neste texto, o quarto da nossa série de reportagens sobre problemas que a cidade de São Paulo enfrenta atualmente, discutimos a percepção dos moradores da maior capital do Brasil de que houve um aumento do lixo nas ruas, a partir de descartes irregulares e incapacidade do poder público em resolver a situação. O problema é percebido principalmente no centro da cidade, onde há também uma maior concentração de pessoas em situação de rua, por vezes associadas ao aumento da quantidade de resíduos descartados a céu aberto. Segundo os dados oficiais da cidade, houve uma leve queda na coleta do lixo no último ano.
O advogado Gabriel Guratti, 26, sempre morou em São Paulo e acha que, atualmente, há mais lixo nas ruas do que antes. “São Paulo nunca foi uma cidade limpa, mas os amontoados de lixo que vemos espalhados hoje é algo que percebi ter aumentado muito nos últimos tempos. Mesmo na área do centro expandido, o lixo na rua é algo muito mais presente hoje do que há alguns anos”, comenta. Segundo ele, é cada vez mais comum ver montes de lixo no centro da cidade, como na rua Amaral Gurgel, embaixo do Elevado Presidente João Goulart [Minhocão], onde muitas pessoas em situação de rua passam a noite e montam barracas de acampamento para se proteger do frio. “Os amontoados de lixo que vejo espalhados no centro são de sacos de lixo que foram revirados, provavelmente por pessoas em situação de rua. O centro é o lugar com maior concentração de pessoas em tal situação, principalmente nos últimos anos, em que, na minha percepção, essa situação se multiplicou“.
O site da SP Regula, entidade responsável por gerir, regular e fiscalizar os serviços de coleta de divisíveis da limpeza urbana na cidade de São Paulo, informa que a coleta domiciliar comum se manteve estável nos últimos cinco anos. Apesar disso, os dados disponíveis apontam para uma leve queda na coleta no ano passado. Em 2020 foram registradas 3.619.270 toneladas de lixo coletadas, frente a 3.421.485 toneladas recolhidas em 2021, uma queda de 5,5% [198 mil toneladas]. No mesmo período, houve uma queda também na coleta de lixo seletiva realizada na capital paulista. Em 2020, foram registradas 94,4 mil toneladas de lixo seletivo coletado, o maior patamar dos últimos cinco anos. O número é associado pela prefeitura a uma maior adesão dos paulistanos à reciclagem durante o período da pandemia da Covid-19. Entretanto, em 2021, a coleta caiu para o seu menor patamar dos últimos cinco anos, tendo registrado a coleta seletiva 72,9 mil toneladas de resíduos.
O ator pernambucano Caio Macedo, 27, que vive em São Paulo há seis anos, diz acreditar que o aumento do lixo nas ruas da cidade está ligado ao aumento da quantidade de pessoas vivendo em situação de rua. “Tem mais lixo na rua hoje do que tinha seis anos atrás, eu tenho certeza, principalmente no centro da cidade. Onde tem mais moradores de rua geralmente tem mais lixo. Debaixo do Minhocão, o Largo [do Arouche], [Praça] Marechal [Deodoro], toda essa parte central tem muito lixo. E também no centro histórico, perto do Anhangabaú, da Galeria do Rock, tem muito lixo também. Eu percebo que a avenida principal, a São João, tem um pouco menos, mas as paralelas estão em ‘estado de pós-guerra’, tudo muito sujo. Acho que todos esses problemas estão muito relacionados à quantidade de pessoas em situação de rua, porque as pessoas não têm para onde ir, fazem suas necessidades básicas na rua, existem muitos problemas antes do lixo e antes da violência. Existem problemas sociais”, opina. “Não é só sobre o lixo. É sobre um reflexo da nossa sociedade, sobre o reflexo do nosso governo”, finaliza, em tom crítico.
Para Helena Degreas, professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e pesquisadora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), a questão do lixo amontoado em espaços públicos indevidos demonstra uma incapacidade do poder público de realizar a gestão adequada dos resíduos sólidos domésticos produzidos na cidade. “Se o descarte é maior do que a coleta, o problema está na gestão da coleta, na orientação da população por meio de campanhas educativas para que realize o descarte nos locais em que a coleta ocorre. Se descartam em local errado é porque os pontos de coleta não atendem as dinâmicas da população, seja ela moradora ou prestadora de serviços”, afirma.
“O centro de São Paulo é lindo, sua arquitetura é espetacular. Mas quando a gestão da limpeza e conservação dos logradouros públicos é ineficaz, quando os programas de reinserção social da população que encontra-se em situação de rua é ineficaz e não viabiliza a reinserção social, econômica, habitacional, etc., o que encontramos é uma cidade suja, fétida e que gera a sensação de mal-estar”, complementa. Para Degreas, a situação pode, inclusive, afastar turistas do centro: “O que os turistas vivenciam é o mesmo que nós, cidadãos, vivenciamos hoje: calçadas esburacadas, sacos e mais sacos de lixo e entulhos que ficam sob a copa das árvores ou amontoados em esquinas e calçadas”.
Segundo a urbanista, a relação entre o aumento da quantidade de pessoas em situação de rua e o aumento do lixo nas ruas é consequência de programas assistenciais “incapazes de incluir socialmente os brasileiros”. “Se a gestão da coleta de resíduos de uma capital financeira do tamanho de São Paulo é ruim, o que se pode dizer dos resíduos provenientes de pessoas em situação de rua. São, quando muito, queimados pelos próprios moradores, como forma de resolver a questão. Resíduos sendo queimados à céu aberto nas calçadas e praças resultam de programas assistenciais, para dizer o mínimo, péssimos, incapazes de incluir socialmente brasileiros”, comenta Degreas.
A pesquisadora lembra ainda a questão da periferia, onde, segundo ela, os habitantes não possuem opções contra o lixo descartado em espaços irregulares, além de aguardar pela aplicação de políticas públicas que mudem a realidade. “As cidades que existem dentro das cidades, como os bairros informais, periferias urbanas, existem à margem das regulações urbanísticas e sofrem com a precariedade da coleta. Fica visível [o problema]. Não precisa de estatística. Basta observar como são descartados os resíduos a céu aberto. São sofás, restos de obras, descartados em locais que são conhecidos como ‘pontos viciados'”. Segundo Degreas, seja no centro ou nas periferias, o acumulo de lixo em espaços públicos indevidos afeta a todos, prejudicando a acessibilidade na cidade.
O que diz o poder público?
Em nota, a prefeitura de São Paulo afirma que a SP Regula observa a tendência de queda nos quantitativos para os serviços divisíveis de limpeza realizados pelas concessionárias da coleta, o que estaria de acordo com o Programa de Metas, que prevê a diminuição em 600 mil toneladas de resíduos direcionados para os aterros no quadriênio 2021 – 2024. A prefeitura ainda ressalta que a SP Regula “vem intensificando a fiscalização, aumentando as frequências da coleta e realizando campanhas de conscientização ambiental para manter a cidade limpa e agradável”. Ainda assim, a gestão municipal diz que é “primordial que a população não despeje lixo e entulho em vias públicas ou locais impróprios” e informa que o descarte irregular de material está sujeito a multa de até R$ 19 mil, além de ser considerado crime ambiental. Nos casos de descarte de entulho, a multa pode chegar a R$ 70 mil.
A gestão municipal também pontua que, nos últimos cinco anos, conseguiu reduzir os pontos viciados de descarte irregular de resíduos de 4 mil, em 2017, para cerca de 1.210 atualmente, redução de quase 70%. A atuação contra o descarte irregular também é feita a partir de 121 ecopontos (abertos das 6h às 22h, de segunda a sábado, e das 6h às 18h, aos domingos e feriados) e 145 mil lixeiras espalhadas pela cidade.
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