MPF denuncia ex-gerente da Petrobras por lavar R$ 48 mi com Lei da Repatriação
A força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba denunciou nesta quinta-feira, 8, o ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira por lavar R$ 48 milhões de propina com Lei da Repatriação. Márcio de Almeida Ferreira é acusado de usar o Regime de Regularização Cambial para lavar a quantia que era mantida oculta em contas nas Bahamas.
Segundo a acusação, o ex-gerente alegou “que se tratavam de recursos auferidos com a venda de imóveis, sem apresentar nenhuma evidência desta alegação”.
Na denúncia, o Ministério Público Federal, no Paraná, também acusa Márcio de Almeida Ferreira, Edison Krummenauer e Maurício Guedes, os empresários Luis Mario da Costa Mattoni (administrador da Andrade Gutierrez), Marivaldo do Rozario Escalfoni (Akyzo) e Paulo Roberto Fernandes (Liderrol), pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Segundo a acusação, entre 2003 e junho de 2016, os ex-gerentes estiveram envolvidos em um esquema que desviou mais de R$ 150 milhões da Petrobras em inúmeras obras da área de Gás e Energia da companhia.
O ex-gerente da Petrobras e os empresários Marivaldo Rozario Escalfoni e Paulo Roberto Fernandes estão presos preventivamente desde 4 de maio deste ano, quando foi deflagrada a 40ª fase da Lava Jato.
Segundo a Procuradoria da República, no Paraná, as obras Gasoduto Catu-Pilar, GNL Baía da Guanabara/RJ, terminal aquaviário de Barra do Riacho, terminal de Regaseificação da Bahia e montagem do gasoduto Urucu-Manaus (trecho Coari) estiveram “comprovadamente envolvidas” nas fraudes. O Ministério Público Federal aponta que as empreiteiras interessadas em contratar com a Petrobras procuravam Marivaldo do Rozario Escalfoni e Paulo Roberto Fernandes, “representantes que atuavam como intermediários entre estas empresas e os funcionários públicos corruptos” da estatal.
“Para isso, os ex-gerentes da estatal petrolífera forneciam informações privilegiadas e auxiliavam as empresas indicadas por Escalfoni e Fernandes a vencer licitações na Área de Gás e Energia da estatal”, diz nota da força-tarefa.
Em troca, afirma a Procuradoria, os intermediários repassavam propinas “por meio de entrega de dinheiro em espécie; pagamento de despesas pessoais dos agentes públicos; e operação de dolar cabo, usando transações cruzadas entre a Suíça e o Brasil para depósito na conta oculta de Krummenauer naquele país”. Em regra, era cobrada propina de 1% do valor dos contratos celebrados pelas empreiteiras com a Petrobras, informa a força-tarefa.
Para fazer a intermediação dos recursos de propina, Escalfoni e Fernandes teriam firmado contratos de consultoria ideologicamente falsos entre as empreiteiras interessadas em contratar com a Petrobras e a Akyzo e Liderrol. A quebra de sigilo bancário dessas empresas registrou créditos de mais de R$ 150 milhões provenientes da Galvão Engenharia, Mendes Junior, Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez, “todas envolvidas no esquema”.
“Na sequência, uma grande quantidade de dinheiro era debitada das empresas Akyzo e Liderrol com a emissão de cheques, posteriormente usados para produção de dinheiro em espécie, que eram entregues aos destinatários finais”, diz a Procuradoria.
Repatriação
A lei nº 13.254/2016 permite que o contribuinte faça a regularização de valores de proveniência lícita mantidos no exterior mediante simples autodeclaração, sem a necessidade de qualquer comprovação.
Com a regularização cambial, o patrimônio de Márcio de Almeida Ferreira pulou de R$ 9.220.274,21 para R$ 54.506.461,07 em 31 de dezembro de 2015.
“Não foi encontrada qualquer evidência de atividade lícita que lastreasse o incremento patrimonial e a discrepância, apesar de evidente, não foi comunicada espontaneamente pela Receita Federal ao Ministério Público”, afirma a Procuradoria.
O procurador da República Diogo Castor de Mattos chama a atenção para a necessidade de um maior controle da Receita Federal acerca das informações do Regime de Regularização Cambial. Segundo ele, “como está sendo operado o sistema, a lei abre uma brecha para institucionalizar a lavagem de dinheiro”.
“Neste caso, em plena Operação Lava Jato, um ex-gerente da Petrobras fez a regularização cambial de dezenas de milhões de reais e não acendeu nenhuma luz vermelha no órgão fiscal”, afirmou.
Castor criticou ainda a falta de transferência de informações sobre pessoas que aderiram ao regime para auditores fiscais. “Atualmente, não está claro quem são as pessoas que têm acesso a esta base de dados que pode ser usada para acobertar a existência de crimes graves, como nesse caso”.
O procurador alertou que está em trâmite no Congresso Nacional um projeto defendido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) que estende a possibilidade de repatriação para parentes de políticos que ficaram de fora da atual legislação. Segundo o procurador, caso aprovado, o projeto pode aumentar ainda mais os riscos do uso do programa para lavar dinheiro oriundo de práticas ilícitas.
O coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal e procurador da República, Deltan Dallagnol, acrescenta que, “em razão do que se descobriu estão sendo mantidas conversas com a Receita Federal”.
“O órgão se prontificou a estudar métodos para que, sem prejuízo dos objetivos, o programa não sirva de canal para lavagem de recursos desviados dos cofres públicos”, destaca Deltan.
Defesa
NOTA DA RECEITA FEDERAL
“O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, prevê mecanismos de identificação de eventuais abusos, bem como de responsabilização, penalização e exclusão do regime. Qualquer um dos 25.114 optantes à primeira fase do RERCT que tenha buscado efeitos de extinção penal para crimes de corrupção ou buscado lavar bens que tenham origem em qualquer atividade ilícita, será, após o devido processo legal, excluído do RERCT, conforme art. 29 da IN RFB nº 1.627, de 2016.
De acordo com o Código Tributário Nacional, a Secretaria da Receita Federal do Brasil tem o prazo decadencial de cinco anos para a execução de tais procedimentos a partir da entrega da Declaração do Imposto de Renda retificadora associada ao regime, o que, obviamente, poderá ser abreviado caso a instituição receba informações oriundas de órgãos parceiros a respeito de situações dessa natureza, eventualmente identificadas no âmbito de investigações criminais. Note-se que a Lei nº 13.254, de 2016, impede a utilização da DERCAT como único indício para fins de expediente investigatório ou investigação criminal, ou para fundamentar procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial (art. 4º, § 12).
Por outro lado, os dispositivos legais do regime não impedem que a RFB possa identificar a inclusão de bens oriundos de recursos ilícitos, pois, conforme determina o art. 4º, § 2º, os bens e direitos declarados na DERCAT deverão ser informados nas DIRPF do optante, isto é, a situação dos bens regularizados, podem ser objeto de diligência adicional pela Fiscalização quando esta identificar variações patrimoniais não suportadas por recursos ordinariamente tributados
Além disso, é importante destacar que os efeitos de extinção criminal se restringem aos crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, sonegação previdenciária, evasão de divisas e lavagem de dinheiro (art. 5º da Lei nº 13.254, de 2016), ou seja, não se estendem a outros crimes, por exemplo, o crime de corrupção ou de tráfico de drogas.
Por oportuno, observa-se que o criminoso que aderiu de forma indevida ao programa, ao incluir recursos de origem ilícita, está também incorrendo no crime de lavagem de dinheiro, e, ao fim e ao cabo, está na verdade fornecendo às autoridades uma lista de bens e ativos localizados no exterior, passíveis de bloqueio e seqüestro, que de outra forma seriam de difícil e onerosa identificação.
Destaca-se, ainda, que RFB, por meio da Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação – COPEI, está atuando no âmbito penal da Operação Lava Jato desde sua primeira etapa, em estreita parceira com a Força Tarefa do Ministério Público Federal e com a equipe da Polícia Federal, identificando diversos esquemas de lavagem de dinheiro que levaram a condenação dos investigados, bem com a recuperação de bens no país e no exterior. Tal participação se estende às investigações realizadas no âmbito do STF e da Justiça Federal no Rio de Janeiro.
Ressalte-se, também, que a RFB tem buscado aprimorar os mecanismos e ferramentas para identificação de eventuais abusos ao regime, tornando-os mais céleres e tempestivos, inclusive com a interlocução com procuradores da própria Força Tarefa do MPF para a Operação Lava Jato.
Programas de regularização tributária de ativos no exterior têm sido amplamente utilizados em diversos países, como Alemanha, Estados Unidos, Itália, França, Turquia, entre outros, especialmente como forma de reforço de arrecadação em momentos de dificuldades econômicas. Por abarcar bens anteriormente não declarados, tais programas são reconhecidos internacionalmente por terem potenciais riscos inerentes de serem utilizados de forma abusiva por criminosos para a lavagem de recursos de origem ilícita. Como forma de mitigar esses riscos, o Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, órgão inter governamental da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE que define e promove a efetiva implantação de padrões e medidas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo no âmbito internacional, avalia tais programas no que se refere à conformidade a suas recomendações.
O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei nº 13.254, de 2016 foi devidamente analisado pelo GAFI, tendo sido considerado aderente aos padrões e princípios necessários estabelecidos pelo órgão internacional para que tenham minimizado os riscos de utilização indevida. Isso implica dizer que especialistas em prevenção e lavagem de dinheiro de mais de 35 países avaliaram o programa brasileiro, e consideraram que não havia brechas significativas aos princípios fundamentais, e que não viram impactos negativos nas medidas de prevenção e lavagem de dinheiro no país.
Gerson Schaan
Auditor-Fiscal
Coordenador-Geral de Pesquisa e Investigação Secretaria da Receita Federal do Brasil”
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