PM de SP aprovou mais de 1,6 mil licenças por transtornos mentais desde 2020

Depressão e transtorno misto ansioso e depressivo são os que mais tiveram incidência sobre os policiais; ex-policial relata dificuldade em solicitar afastamento da corporação

  • Por Jovem Pan
  • 12/06/2021 11h15
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WILLIAN MOREIRA/ESTADÃO CONTEÚDO Viaturas da polícia militar De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, 65 policiais militares cometeram suicídio apenas em 2019

De janeiro de 2020 a abril de 2021, a Polícia Militar de São Paulo aprovou 1.647 licenças por transtorno mental de seus oficiais — uma média de 102 licenças por mês. As doenças que mais afastaram policiais da ativa foram depressão, transtorno misto ansioso e depressivo e transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool — sendo que um mesmo policial pode ter mais de um afastamento. Os dados foram obtidos pelo Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). O policial militar Roberto Oliveira*, foi diagnosticado com depressão, ansiedade e crises de pânico em 2018. Apesar de cinco pedidos de afastamento negados, mesmo com laudos de um psiquiatra particular indicando que ele não estava apto ao trabalho, ele conseguiu ficar fora da corporação apenas de julho a setembro de 2020. No entanto, em março de 2021, ele pediu exoneração da PM para cuidar da saúde mental.

“Esses casos são muito comuns na PM. Muitos não são divulgados porque os policiais têm medo de represália, assédio moral. Acontece muito. Acham que, por se tratar de motivo psiquiátrico, é porque quer se esquivar do serviço”, relata. Roberto chegou a gravar um áudio de um médico da Polícia Militar de São Paulo o acusando de ser imaturo e não querer assumir responsabilidades. “Por isso o alto índice de suicídio. Eu estava lutando pelo afastamento e chegou em um ponto de eu ter que escolher. E eu resolvi escolher pela minha saúde”, alerta. O ex-PM afirma que seu psiquiatra diversas vezes solicitou afastamento das funções, inclusive administrativas, por causa dos transtornos e três tentativas de suicídio. Porém, na maioria das vezes, a Junta Militar apenas retirou sua arma e restringiu sua ação a serviços internos. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, o último publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 65 policiais militares cometeram suicídio apenas em 2019. Entre policiais civis, mais 26 casos.

O psicólogo e professor da PUCPR, Paulo Cesar Porto Martins, destaca que a rotina estressante pode ajudar no desenvolvimento de transtornos. “A rotina de estresse e de estar em constante estado de alerta é extremamente danosa. Quando você fala de segurança, você está lidando com o risco iminente de ir atrás de uma situação de crime ou de fazer ronda, verificar alguma ocorrência. Então o estresse é constante. O nível de atenção, de alerta que o organismo precisa estar nesse tipo de pressão é muito alto. Você também lida muito com a violência, com situações extremas. E no final das contas somos todos seres humanos e precisamos de ajuda para lidar com toda essa carga emocional.” Um outro aspecto importante, ressaltado pelo profissional, é que o policial sempre precisa ser forte, não pode mostrar fraqueza e nem um lado fraco na atuação dele. “Não é fácil, todos temos problemas, medos e anseios. O policial é aquela pessoa que está lá em ordem e para colocar ordem. A terapia pode ser esse momento dele poder ter ajuda para se colocar em ordem e compartilhar medos e anseios, já que na rotina de trabalho ele não pode.”

‘Bonitinho está passando mal?’

O ex-policial Roberto relata que, mesmo fora da corporação, ainda tenta Justiça por uma situação que aconteceu em julho de 2020 em São José do Rio Preto, no interior paulista. Com dor no peito, taquicardia e visão turva, ele teve atendimento negado por um oficial médico da PM mesmo com um atestado particular pedindo repouso. Acompanhado da sogra, que perguntou o nome e CRM do policial, Roberto ainda foi intimidado e recebeu voz de prisão. Segundo o ex-PM, depois, o médico provocou. “O bonitinho está passando mal? Tadinho, chama o resgate” — e proferiu palavras de baixo calão a Roberto e à sogra. Uma policial do local acionou o socorro, Roberto foi informado de que não seria preso e que o capitão médico “estava nervoso”.

Já no hospital, a esposa de Roberto acionou uma viatura, via 190, para registrar uma ocorrência de abuso e omissão. Porém, o tenente que compareceu disse que não poderia fazer nada. Após denúncia ao Comando de Policiamento do Interior, que não detectou qualquer irregularidade, mesmo sem ouvir Roberto e testemunhas, ele agora aguarda um parecer da Corregedoria. Roberto destaca que o oficial médico da sua unidade de atuação nunca questionou o parecer particular. O problema sempre foi com a Junta Médica. “O médico da unidade sempre foi a favor do afastamento, até porque ele mesmo falava que não era especialista da área e não iria questionar.” Agora, fora da Polícia Militar, ele aguarda uma ação, que está na Justiça, por invalidez permanente devido à PM.

Falar é importante

O psicólogo Paulo Cesar Porto Martins destaca que muitas vezes esses transtornos são tidos como não-reais ou como “frescura” porque não podem ser vistos. “Quando eu vejo alguém com uma perna cortada por uma cirurgia, com um gesso, aquilo é visível. Estou vendo que aconteceu. A ferida psicológica não é vista. Estou com um sofrimento, mas a sociedade não vê e questiona o que impede. Isso é difícil para quem é leigo. Como alguém não pode [trabalhar] se não tem nada [físico] impedindo? Depressão e ansiedade, em situações avançadas, são doenças que levam à morte e à incapacitação laboral e social.” Segundo ele, falar sobre transtornos mentais encoraja a buscar tratamento — e também pode ser uma forma de tratamento. “O passo inicial para eu tratar uma depressão, ansiedade e síndrome do pânico é assumir que existe algo a ser tratado. Quando alguém acha que não tem um problema, não se permite trabalhar nele.”

Em nota à Jovem Pan, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que as polícias de São Paulo oferecem suporte e atendimento psicológico aos seus agentes. “O Sistema de Saúde Mental da PM disponibiliza aos policiais serviços de atendimentos psicossociais realizados por psicólogos e assistentes sociais do Centro de Atenção Psicológica e Social (CAPS), sediado na capital, bem como nos 41 Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) existentes em todas as regiões do Estado.” Em relação à Polícia Civil, a SSP informou que ela possui uma Divisão de Prevenção e Apoio Assistencial, onde psicólogos e assistentes sociais ficam disponíveis para atendimento. A instituição também conta com psicólogos na Academia de Polícia Civil (Acadepol) e Corregedoria da instituição, que também ficam disponíveis para atendimento dos agentes. Os casos de suspeita de problemas psiquiátricos/psicológicos são encaminhados ao Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME) para avaliação. Sobre o caso do ex-policial militar Roberto Oliveira, a PM disse à Jovem Pan que a denúncia foi realizada em maio, narrando fatos que teriam ocorrido em julho de 2020, e segue em apuração.

*Nome modificado para preservar a identidade da fonte

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