STF tem liminar contra leis sem julgamento há 8 anos

  • Por Estadão Conteúdo
  • 30/07/2018 14h51 - Atualizado em 30/07/2018 14h52
Carlos Moura/SCO/STF Levantamento aponta que, desde 2010, há decisões individuais provisórias aguardando chancela ou não do colegiado

Setenta e cinco de cem liminares concedidas por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em ações que suspenderam parcial ou totalmente leis, decretos, resoluções e medidas provisórias aguardam julgamento no plenário da Corte. Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast aponta que, desde 2010, há decisões individuais provisórias aguardando chancela ou não do colegiado.

Das 75, três foram assinadas pelo ministro Teori Zavascki, morto em janeiro do ano passado em um acidente aéreo. Mais novo integrante da Corte, o ministro Alexandre de Moraes foi quem mais concedeu liminares (21). A maioria delas trata de legislação estadual, envolvendo, principalmente, o pagamento de precatórios.

Mas há casos mais polêmicos, como a decisão da ministra Cármen Lúcia, em 2013, que impediu a aplicação da lei de distribuição de royalties do petróleo. À época, cálculos feitos pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), com base em números da Agência Nacional de Petróleo (ANP), mostraram que, somente nos primeiros seis meses de vigência da liminar, R$ 4 bilhões deixaram de ser redistribuídos. A suspensão está até hoje em vigor.

A liminar mais antiga, de 2010, foi concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, em caso protocolado pelo governo do Pará que trata de precatórios.

Entre as mais recentes, uma que provocou debate foi a suspensão de parte do indulto para presos concedido pelo presidente Michel Temer em dezembro de 2017. O ministro Luís Roberto Barroso manteve em fevereiro pontos do texto impugnados por Cármen Lúcia durante o recesso de fim de ano. Entre os artigos vetados estão os que alteravam o tempo mínimo de cumprimento de pena para a concessão de indulto e um que abria brecha para beneficiar presos condenados por corrupção.

Às vésperas do recesso de julho da Corte, o ministro Ricardo Lewandowski proibiu a privatização de estatais sem o aval do Congresso, atendendo a pedido de empregados e sindicalistas da Caixa Econômica Federal. A decisão foi criticada pela equipe econômica e pelo mercado por ampliar a insegurança jurídica para negócios e ter impacto nas contas públicas. A medida ainda não foi julgada pelo colegiado da Corte, que volta do recesso no dia 1.º de agosto.

Para especialistas em Direito, o quadro revela uma demora no julgamento pelo colegiado e um excesso de decisões monocráticas relacionadas a inconstitucionalidade. Eles apontam que a decisão individual para suspender leis deveria ser tomada apenas em situações excepcionais. “A liminar pode ser concedida pelo relator, mas em casos excepcionais. O STF é o plenário, o colegiado, não é o ministro individualmente”, disse o ex-ministro da Corte Carlos Velloso.

Um dos ministros há mais tempo na Corte, Marco Aurélio Mello defende o poder do colegiado para tratar de matérias de natureza constitucional. “Tenho sustentado que a competência para implemento de medida acauteladora é do colegiado, não individual Tanto que a lei exige seis votos para suspender a eficácia de uma norma. Como é que uma única visão pode substituir esse requisito?”, questionou Marco Aurélio.

O especialista em direito constitucional Daniel Falcão disse que esse tipo de decisão provisória precisaria ter mais urgência no julgamento pelos 11 ministros. “Uma ação de controle de constitucionalidade é muito grave. Há um interesse público muito forte em jogo porque a ação contesta se uma lei vai contra o que diz a Constituição”, afirmou Falcão.

Congresso

Considerada “medida excepcional”, a decisão monocrática em ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) é alvo de projeto aprovado no início do mês na Câmara. A proposta, que segue para o Senado, proíbe ministros do STF de conceder liminar em ações que têm poder de suspender leis.

“Trata-se de uma resposta do Congresso à monocratização do STF. Não é de bom tom que isso ocorra, pois provoca insegurança jurídica”, disse o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA), autor do projeto, quando o texto foi aprovado na Câmara.

Segundo o ex-ministro do STF Ayres Britto, o Congresso deveria discutir uma forma de fixar prazos para as liminares serem referendadas ou não pelo plenário, sem retirar o poder de decidir individualmente. “O Congresso pode dispor sobre o modo mais racional de se administrar a pauta do Supremo. Mas retirar do relator o poder de conceder liminares em ações que já são por definição de relevância maior é mutilar a competência do juiz”, afirmou.

Respostas

Procurados pela reportagem, os gabinetes da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e de seu sucessor no cargo a partir de setembro, ministro Dias Toffoli, não se manifestaram. O gabinete do ministro Alexandre de Moraes também não comentou o fato de ele ter o maior número desse tipo de liminar aguardando julgamento no Supremo.

Ações de inconstitucionalidade

Desde 2000, o Supremo Tribunal Federal recebeu 3.785 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs). É o maior volume de ações entre os processos chamados de “controle concentrado” de constitucionalidade. De acordo com dados do STF, a maior demanda dessas ações é da Procuradoria-Geral da República. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil fica em segundo lugar. Os números geram um congestionamento na fila de processos para serem julgados no plenário.

Em alguns casos, essa obstrução faz as ações perderem seu objeto, ou seja, ficam sem motivação de serem julgadas pelos 11 ministros. Um exemplo recente é a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que suspendeu em 2017 a medida provisória que adiava para 2019 o reajuste dos servidores federais previsto para janeiro deste ano. O ato monocrático ocorreu às vésperas do recesso judiciário.

Para eventualmente referendar a liminar, os ministros só voltariam a se reunir em fevereiro, quando o primeiro pagamento dos servidores, com o reajuste não previsto pela União, já seria realizado. Em abril, o ministro arquivou o processo por perda de objeto. Com o adiamento, o governo esperava economizar R$ 4,4 bilhões.

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