Policial que denunciou superior por assédio sexual e ameaça de morte avalia deixar a corporação

Caso foi registrado após tenente-coronel mandar uma série de mensagens e áudios para subordinada; soldado está afastada da PM e passa por acompanhamento psicológico

  • Por Lorena Barros
  • 29/04/2021 10h05 - Atualizado em 29/04/2021 10h13
Montagem/Instagram Jessica Paulo/Arquivo Soldado Jessica, mulher de cabelos longos e escuros sorrindo, com camiseta da Polícia Militar. Ao lado, uma conversa de whatsapp em que ela é assediada por um superior Por causa de um pedido de transferência para outro batalhão, Jéssica precisou contatar o superior, que voltou a assediá-la

A soldado Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, ingressou na Polícia Militar em 2013 conquistando um sonho de infância e hoje considera pedir exoneração da corporação por não se sentir segura diante de um superior. A policial, que trabalha na cidade de Praia Grande, no litoral de São Paulo, denunciou o tenente-coronel que chefiava o 50º Batalhão da Polícia Militar, para o qual ela foi alocada no início de carreira, na Zona Sul da capital, no ano de 2018. Na época, Jéssica conheceu o tenente, que teria feito uma série de investidas para sair com ela e, após receber uma negativa por parte da soldado, teria começado a “persegui-la” com mensagens e sabotá-la dentro da corporação. Por causa disso, ela passou a ter acompanhamento psicológico e pediu um afastamento não-remunerado de dois anos do cargo que ocupava.

Em 2021, com o término da licença, ela precisou reencontrar o superior para pedir transferência para outro batalhão em uma cidade do litoral paulista. Por causa desse contato profissional, os assédios por parte do tenente-coronel teriam voltado a acontecer. “Ela fez contato com a secretária dele e perguntou se poderia, eventualmente, conversar com ele para ele dar o aval para que ela fosse movimentada para o litoral. Ele conseguiu o telefone dela e é aí que a parte dois do inferno dela começa, porque ele começa a assediá-la”, afirma o advogado de defesa da soldado, Sidnei Henrique. Em entrevista à Jovem Pan, o jurista detalhou o conteúdo das mensagens recebidas por Jéssica ao longo dos dias. Com a justificativa de entregar um documento que formalizaria a troca dela de batalhão, o policial combinou um encontro com a soldado em um feriado. Jéssica questionou se a delegacia estaria funcionando normalmente neste dia e o policial afirmou que “só eu vou funcionar”. Em outro momento o superior teria mandado a mensagem: “Vou te estuprar, carioca fogaça”.

No dia em que o tenente-coronel solicitou que a soldado fosse até uma estação de metrô na Zona Sul da capital para que eles seguissem até um hotel, Jéssica decidiu denunciar o superior à corregedoria da PM, que abriu um inquérito e convocou os envolvidos na denúncia para depor. Em áudios disponibilizados pela defesa da soldado à polícia, é possível ouvir que o superior hierárquico de Jéssica se identifica diversas vezes como “tenente-coronel Novaes”, diz que tem amigos no alto escalão da polícia e fala até mesmo que a mulher “não vai querer ser inimiga” dele. Em tom de ameaça, ele afirmou, ainda, que teria contatos no Tribunal de Justiça Militar, que deve acompanhar o caso. “Depois no TJM com o desembargador o bicho vai pegar. Eu não tenho medo de nada. O medo é um sentimento superior. Eu tenho cautela e precaução. Cuidado que você vai perder o seu dinheiro e vai se f**** ainda”, diz outro áudio.

As ameaças voltaram a atormentar Jessica, que acionou um advogado para representá-la. A defesa dela pediu medidas protetivas contra o tenente-coronel, assim como a prisão preventiva dele para que ele não coaja testemunhas durante as investigações e a suspensão do porte e posse de arma de fogo do policial. “Ela já estava muito abalada psicologicamente há dois anos, quando isso tudo começou e ela passou a fazer tratamentos. Isso se agravou agora. Ela está afastada novamente, vai iniciar um novo tratamento psicológico dentro da própria polícia militar e ela pensa muito em pedir exoneração”, explicou Sidnei Henrique.

Além de tentar preservar a integridade física dela e da própria família após as ameaças do superior, a policial decidiu expor a situação para incentivar que outras mulheres, dentro e fora da PM, denunciem casos como esse. “Independente do sistema e do chefe, nada é inabalável. Existe lei, existe Justiça, existem meios que a gente pode correr atrás. Por mais difícil que seja, é muito importante ter coragem. Mesmo com medo”, afirmou. A reportagem da Jovem Pan procurou por telefone e mensagem o tenente-coronel Novaes, mas não teve retorno até o momento. A Secretaria de Segurança Pública do Estado também foi acionada, mas não respondeu sobre o assunto até o fechamento desta reportagem. Jéssica Paulo prestou depoimento sobre o caso e aguarda decisão judicial.

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