Cortes de cabelo ajudam a superar cicatrizes do tráfico humano no Camboja

  • Por Agencia EFE
  • 17/08/2015 07h19

Ricardo Perez-Solero.

Phnom Penh, 17 ago (EFE).- Um salão de beleza de luxo oferece às vítimas de tráfico humano e abusos sexuais e físicos do Camboja a oportunidade de formar-se e superar o trauma da exploração sexual e violência que sofreram quando crianças.

Rodeada dos rostos inalterados de dezenas de manequins, Keo Thavry pratica cortando o cabelo sintético de uma boneca, como fazia quando pequena e brincava de ser cabeleireira com uma casca de coco, folhas de banana e barras de roupa velha, anos antes que seus pais a mandassem viver com um estranho.

“Um dia chegou um homem que tinha perdido ambas pernas na guerra e me chamou para viver com ele. Eu pensei que era uma boa maneira de ajudar com as dificuldades da minha família, mas não sabia que era uma pessoa ruim, que acabou me violentando”, relatou a jovem à Agência Efe.

Thavry, que tinha 14 anos quando deixou seu lar e agora tem 21, é uma das estudantes do salão de beleza que a ONG Soul and Justice abriu no bairro de Boeung Keng Kang, na capital Phnom Penh, para financiar seu programa de reinserção.

Vítimas das máfias, da pobreza que assola suas famílias e da falta de educação e oportunidades, muitas crianças acabam comercializando seus corpos, expostos a situações que prolongam a dinâmica de marginalização.

“Nossos estudantes estão em risco de exploração sexual, se conseguem trabalhos nos quais ganham US$ 50 ao mês, estão expostos a recaídas, mas se acabam trabalhando em um salão no qual ganham US$ 400 não vão a voltar à sua vida anterior”, comentou Matthew Fairfax, fundador da organização.

Os clientes que entram no salão de beleza não fazem ideia que os aprendizes do elegante estabelecimento lutam contra os fantasmas do passado.

Em sua maioria são mulheres, embora também haja homens, que estão alheios a esse mundo aonde um corte de cabelo custa US$ 40.

A organização seleciona os candidatos, que têm que realizar um projeto criativo e demonstrar em entrevistas pessoais “capacidade” e “paixão”, contou Fairfax.

Thavry decidiu elaborar uma rosa de papel para entrar no programa, uma escolha simbólica já que é a única dos quatro estudantes cuja virgindade foi vendida, embora não seja uma exceção entre as vítimas de tráfico humano no Camboja.

“Algumas das meninas foram traficadas com 9, 10, 11 anos… em uma idade na qual não têm capacidade de decisão”, lamentou o fundador do projeto.

Segundo um relatório de 2007 da Organização Internacional de Imigração, 38% de mais de 200 prostitutas entrevistadas no Camboja venderam sua virgindade ou foram obrigadas a isso.

Kate-Marie Engberg, da International Justice Mission (IJM), uma das ONGs colaboradoras, ressaltou “o difícil que é quando as famílias não apoiam o processo, e preferem colocar-se do lado do acusado”.

A IJM abriu um escritório em 2004, após a repercussão do documentário da “NBC”, “Crianças à venda”, considerado um ponto de inflexão na luta contra o abuso de menores, já que atraiu investimento estrangeiro e pressionou o governo local a atuar.

A reportagem provocou, além disso, uma batida em Svay Pak, um povoado transformado em prostíbulo ao ar livre aonde os menores eram oferecidos impunemente a pedófilos como se fossem mercadoria.

A coalizão Chabdai, composta por organizações contra o tráfico humano e a exploração sexual, considera que a partir de 2007 se começa a notar o efeito da pressão das autoridades, com a redução paulatina da impunidade e o afastamento das crianças dos bordéis.

“Desde que o tráfico humano se tornou mais complexo, e não está tão exposto como costumava estar, os criminosos o empurraram à clandestinidade”, comentou Engberg.

As organizações argumentam que é difícil quantificar o número de menores explorados na atualidade.

No centro da capital cambojana, muitas mulheres, entre as quais se encontram algumas menores, oferecem serviços sexuais sem depender de agenciadores, com o único amparo da noite. EFE

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